
Plenário do congresso vazio - créditos: divulgação
28-07-2025 às 09h19
(*) Rogério Reis Devisate
O Presidente João Goulart (Jango) estava em território nacional quando o Senador Auro de Moura Andrade, presidindo o Congresso Nacional, declarou vaga a Presidência da República. Em vão ocorreram protestos, inclusive com Tancredo Neves gritando “Canalha! Canalha” – como relatou o Deputado Almino Afonso.
Ali ocorreu, formalmente, o golpe civil, que destituiu Jango da Presidência. Tudo ocorreu rapidamente, na madrugada de 02 de abril de 1964, logo após o deslocamento das tropas militares de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. Além disso, Auro de Moura Andrade fez com que se desligasse a energia no Congresso Nacional, apagando as luzes e desligando o microfone do Plenário.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, foi empossado Presidente da República naquela mesma madrugada, às 03:45h.
O contexto político era delicado, com sucessão de manobras e pequenos golpes, até que o General Castelo Branco fosse eleito Presidente da República, contando até com o voto de civis importantes, como Juscelino Kubitschek.
Castelo teve, ainda, o apoio de Carlos Lacerda, Ademar de Barros e Magalhães Pinto. A bem da verdade, os três foram usados, já que – logo após a sua posse e a consolidação do regime político instaurado – tiveram cassados os seus direitos políticos.
Falamos nisso, rapidamente, para considerar que os ventos por mudanças podem se transformar em ventania incontrolável e derrubar até aqueles que abanaram para longe, temporariamente, os ares democráticos – até que ficassem irrespiráveis e, também, os vitimasse.
Estamos menos unidos como brasileiros. Hoje, parecemos fanáticos torcedores de times de futebol, brigando na saída dos estádios e nas ruas, enquanto os “cartolas” seguem muito bem.
Somos partidários de grupos pragmáticos ou ideológicos, que alimentam o distanciamento dos outros, vendo-se como adversários e não apenas como depositários de pensamentos diferentes. Aliás, ficou para trás a época das posturas e composturas e os bons tempos em que se respeitava a diferença de pensamento, inclusive dizendo-se coisas como “o que seria do azul se todos gostassem do amarelo”.
Devo confessar que não gostaria de sequer relembrar os citados acontecimentos de 1964, relativos ao fechamento do Congresso e o desligamento da energia elétrica no Plenário, ato vigoroso a silenciar a voz dos adversários políticos, inclusive do Tancredo Neves que, décadas depois, foi eleito para a Presidência da República, falecendo antes de ser empossado, num dos episódios mais marcantes da vida nacional.
Contudo, tais fatos brotaram da memória, a partir do momento em que a mente criou as conexões com aqueles fatos e a recente proibição de realização de reunião de comissões no Parlamento. Embora sejam fatos distintos, algo do passado estende as suas sombras.
Apesar do vigente sistema de recesso para votações rotineiras, o Congresso Nacional não fecha e continua operando por uma comissão representativa, composta por Deputados Federais e Senadores, competindo-lhe zelar por prerrogativas do Congresso Nacional, do Senado e da Câmara dos Deputados e, em casos de urgência, exercer a competência administrativa das mesas diretoras, além de representar o Congresso em eventos e exercer outras urgentes atribuições, que não possam aguardar até o reinício do período legislativo, como prevê a Constituição Federal (art. 58, Parágrafo 4º).
Portanto, o Congresso Nacional não fica absolutamente fechado durante o recesso. E, se tais atividades não param, a sua estrutura segue operando. Assim, reunir-se nas suas instalações, aparentemente, não importaria em violação de proibição regimental.
A vedação para reunião de comissões teria vindo sob o fundamento de que, durante o recesso, poderia restringir “a participação dos demais componentes das referidas comissões” (CNN, 22.7.2025). Esse é, de fato, bom argumento, de sorte a permitir a oxigenação dos debates e a pluralidade de ideias.
Contudo, sob outro ponto de vista, está previsto na Constituição Federal que é garantido, a todos, o direito à reunião. O comando consta no seu Título II, que trata “dos direitos e garantias fundamentais”, precisamente no inciso XVI, do seu Art. 5º., que diz: “XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
Como se vê, genericamente, o direito a reunir-se pode ocorrer “independentemente de autorização”. Embora esta garantia não alcance locais que não sejam “abertos ao público”, é uma diretriz útil para esta análise.
Além disso, haveria distinção entre reunião e votação, pois o direito à reunião não significa, ainda, deliberação.
Em desdobramento das ideias, convém lembrar que a Constituição Federal estabelece que as deliberações ocorrerão, em regra, “por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros” (art. 47). Portanto, sem esse quórum, nada poderia ser, mesmo, deliberado, o que não significa que o ato da reunião não pudesse ocorrer.
Ademais, não se trataria de reunião secreta. Assim, apenas para reflexão, seria melhor a realização de públicas reuniões parlamentares dentro do Congresso ou em local inadequado ou secreto?
Aqui não se trata de receitas ou fórmulas prontas, mas de argumentos para a reflexão.
Por fim, não percamos de vista que os representantes do povo queriam estar nas instalações do Congresso para trabalhar, reunir-se e debater, sendo crível que o local não parece ser menos próprio do que outros porventura existentes ou as ruas e praças públicas.
(*) Rogério Reis Devisate é Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas