Tenho um amigo que diz que, se sua mulher o encontrasse na cama com outra, ele negaria mil vezes, e com tanta veemência, que ela começaria a duvidar de que realmente o surpreendera em adultério, e passaria a cogitar se precisava procurar por um advogado ou por um psiquiatra. Trata-se de uma estratégia do tipo tudo ou nada: se der certo, seria a garantia de que ele poderia trazer quantas amantes quisesse para sua cama. O problema é que basta que ela tenha duas amigas que o odeiem, o que é muito provável neste mundo injusto, e que elas repitam duas mil vezes que ele não vale nada, para que essa estratégia não dê certo.
Santo Agostinho e Kant acreditavam que a mentira nunca pode ser usada para o bem, mas essa não era a opinião de Platão ou do filósofo francês Benjamin Constant, que consideram que mentiras podem ser ditas por uma boa causa (deixemos em suspenso a questão de saber quem define se a causa é boa ou não). Talvez a razão esteja com Nietzsche, que pensava que a maioria de nós prefere a doce mentira à amarga verdade. Se você se inclina mais para Platão do que para Kant, a filosofia possui alguns conselhos sobre como mentir.
A começar por Guilherme de Ockham, para quem, sempre que houver duas explicações para um evento, é provável que a mais simples delas seja a verdadeira. Se você quiser mentir, evite detalhes. Quanto mais minuciosa for sua história, mais inconsistente ela será. O segredo da mentira está na superficialidade e na generalidade. Seja minimalista. Se seu chefe perguntar porque faltou ao serviço, diga apenas “estava doente”, não diga “quebrei a perna” ou “tive uma crise de asma”, nem mesmo “fui ao hospital porque estava doente” (a não ser que você tenha uma bota imobilizadora, uma bombinha de asma ou um atestado médico e pretenda usá-los, o que é pouco provável, já que estará mentindo).
Jonathan Swift ensinava que, se você, mentindo, prometer algo a alguém, não exagere. Não prometa que lhe dará R$ 100.000,00 (a não ser que você seja Jeff Bezos), prometa apenas R$ 100,00. É que as pessoas avaliam a plausibilidade do que lhes é dito muito mais por sua própria capacidade do que pela condição alheia, e é provável que só possam dar R$ 100,00 a um amigo necessitado.
Há também a técnica de Eubúlides de Mégara. Confunda o oponente: diga que está mentindo! Se sua mulher lhe perguntar porque chegou tarde em casa, responda, com a cara séria, dizendo a verdade: “Eu estava com uma amante no motel”. Depois, dê uma risada, e diga: “Mentira!”, aproveite que ela estará rindo, aliviada após a tensão que a primeira resposta causou, incapaz momentaneamente de pensar, e saia de perto.
Michael Sandel recomenda que, se alguém lhe fizer uma pergunta cuja resposta o colocaria em maus lençóis, a técnica a ser adotada é a da resposta divergente. O segredo é parecer responder ao que está sendo perguntado, mas responder outra pergunta implícita na primeira. Por exemplo, se você ganhar de sua mulher uma gravata verde horrorosa de Natal, e ela lhe fizer a descortesia adicional de perguntar se gostou, responda, com um sorriso no rosto: “Não precisava! Verde é a cor mais linda que existe!”. Não terá respondido à pergunta dela, mas terá agradadado, fazendo ela se esquecer do que realmente interessa.
Há, finalmente, a técnica de Jim Hankinson (uma técnica perigosa, também do tipo tudo ou nada, como no caso de meu amigo com suas amantes): confunda a pessoa com sua ignorância e com seu orgulho (para quase todo mundo, é difícil reconhecer que não sabe algo que todo mundo sabe). Por exemplo: se seu chefe perguntar por que você não trabalhou ontem, responda-lhe, olhando-o com a cara de quem toca em assunto delicado: “Você sabe que dia foi ontem?” Isso pode desarmar sua vítima, sobretudo se ela não tiver a mínima ideia de que dia foi ontem. Mas se ela for do tipo obstinado, como sua mulher, e disser: “Sei perfeitamente que dia foi ontem!”, responda-lhe, agora à meia voz, quase inaudível, e apontando para cima (supondo que no andar de cima esteja o chefe do chefe de seu chefe): “Então, ele me pediu para resolver aquilo” – vale a pena alongar-se no “ele”, para deixar claro que se supõe que ambos saibam de quem se trata, usando da mesma gravidade com que a Folha de São Paulo e a CBN usam a palavra “mercado” quando dizem que ele está “irritado”.
Não posso garantir que alguma dessas técnicas funcione, porque prefiro sempre ser franco: mentir e ser descoberto pode colocar alguém em uma situação muito pior do que simplesmente dizer a verdade. Mas também não posso garantir que dizer a verdade vá livrá-lo de problemas. O melhor é agir de modo correto na vida: não leve sua amante para a cama de sua casa.
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, pela Editora Citadel. Ele escreve aos domingos no Diário de Minas.