
Existem, também, parlamentares honestos a serem corrompidos, e desonestos a potencializar nas suas mais sórdidas ambições. CRÉDITOS: Freeík
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17-03-2025 às 09h19
Caio Brandão*
Nicanor trabalha no Congresso Nacional e está realizado. Comprou o seu terceiro carro e apartamento para a filha mais velha, em Guará, região valorizada na capital federal. A sua função é a de auxiliar de portaria, mas face ao tempo de casa, adicionais diversos, inclusive o de insalubridade, auxílio moradia, verba paletó e bônus por jornadas estendidas, em tempos de votações, com intermináveis e acaloradas discussões, tornou-se o mais endinheirado da família de oitenta pessoas, todas vindas do nordeste do Brasil, principalmente da Paraíba.
Mas, Nicanor não está bem, emocionalmente. Vem escutando vozes estranhas, não aquelas dos deputados, vez por outra recheadas de impropriedades, mas vozes guturais, coisa do outro mundo. Quando faz “serão”, em trabalho noturno eventual, escuta barulhos estranhos nos corredores da Câmara, principalmente nas proximidades do “Túnel do Tempo”, o corredor que liga o edifício principal do Congresso ao Anexo II do Senado Federal.
Nicanor é médium vidente e intuitivo, porque além de ver espíritos e cenas do outro mundo recebe informações do além-túmulo. No Túnel do Tempo já viu muita gente ir e não voltar, e outros tantos que retornaram sem nunca ter ido. Segundo ele, o Túnel é um misto de vivos, mortos e mortos-vivos que perderam a eleição e ficam postados cumprimentando as pessoas com exagero e fazendo pose de autoridade.
Historiador amador, leitor entusiasta da história de Brasília, quase um bibliófilo, por colecionar e arquivar as memórias escritas da capital da república, Nicanor fez descobertas insólitas sobre a arquitetura do Palácio do Congresso, nome, aliás, pouco conhecido. Segundo ele, as cúpulas hemisféricas, uma voltada para cima e a outra para baixo, têm significado místico e de elevada significância espiritual.
A cúpula côncava, voltada para baixo, está acima do plenário do Senado Federal, e a cúpula convexa, voltada para cima, se sobrepõe ao Plenário da Câmara dos Deputados.
E as torres gêmeas, duas torres de 28 andares, construídas em meio às cúpulas e sobre imensa plataforma de concreto armado, deixam por entre elas passar a luz do crepúsculo, que faz parte de limpeza e assepsia místico-esotérica.
De dia, conta Nicanor, espíritos trevosos e de baixa vibração, escondem-se sob a cúpula côncava, às centenas, se acomodando sobre a laje, de onde tramam ardis macabros de influência negativa, para inspirar os membros daquela Casa, e não apenas os eleitos, como também os que por ela transitam e os seus funcionários. No período de apenas trinta dias de funcionamento do Congresso ele acolhe a circulação de milhares de pessoas nas suas dependências, em busca de propósitos os mais diversos, dentre caça de empregos comissionados;
prefeitos reivindicando verbas; lobistas influenciando o orçamento;
vendedores e ambulantes disfarçados, para burlar a segurança;
garotas de programa, portando documentos falsos e se fazendo passar por secretárias e funcionárias de embaixadas;
funcionários civis e militares, no processo de convencimento de parlamentares, para o aumento dos salários das respectivas classes;
“ongs” legítimas e ilegítimas, reivindicando emendas orçamentárias individuais e coletivas dos deputados, para todo tipo de projeto revestido de interesse público aparente, a maioria vulnerável ao mais modesto e simplório questionamento sobre planos de trabalho, fundamentação legal e jurídica e prestação de contas.
Os espíritos trevosos, que se alojam na cúpula côncava, emanam variadas ondas de energia, oscilando campos elétricos e magnéticos, que se propagam em direção aos que permanecem no Congresso, principalmente os parlamentares.
Essas ondas têm o poder de influenciar votações; negativar projetos de leis, convertendo-os inúteis para a sociedade; inflamar discursos e estendê-los por horas, tornando as discussões estéreis e tumultuadas; influenciar funcionários em direção à apatia e à baixa produtividade, além de provocar contraditório desnecessário e incabível na análise de projetos, que tramitam nas comissões técnicas do Congresso.
Na cúpula côncava, os espíritos trevosos são diligentes e organizados. Os trabalhos começam cedo, com análise da pauta do dia, agendadas pelas mesas diretoras de cada uma das Casas, Câmara e Senado.
O impulsionamento de doenças pré-existentes, nos deputados, está sempre em foco. Os trevosos exultam quando logram um enfarto, uma queda com fratura exposta, mas se regozijam à saciedade na eventualidade de acidente vascular cerebral.
Essa conquista é uma festa na cúpula, porque o eleito é afastado de imediato e o suplente torna-se presa fácil, por querer lucrar o máximo no pouco tempo de sua legislatura, enquanto anseia por alguma desgraça em desfavor do titular, com o seu afastamento definitivo.
Fazer parte do grupo da cúpula côncava é privilégio na hierarquia demoníaca. O espírito trevoso passa por testes e entrevistas, e precisa demonstrar pendor orgástico pela maldade intelectual, que precede a financeira.
A financeira é consequência da intelectual, que deve maximizar prejuízos materiais e danos morais, mediante toda sorte de infortúnios.
O Congresso é solo fértil para os trevosos e segundo eles “verdadeira avenida para a prática de maldades, haja vista o terreno fecundo e receptivo, submisso a todo tipo de apelo e chamado deplorável.
Lá existem figuras incorruptíveis sim, uns chatos e problemáticos, que dormem à custa de “diazepan”, remédio para ansiedade, convulsões e abstinência de álcool. Esses são os mais complicados, mas minoria e não incomodam. Existem, também, parlamentares honestos a serem corrompidos, e desonestos a potencializar nas suas mais sórdidas ambições.
No orçamento anual, que contempla as receitas e despesas da União, está o melhor momento, com influências sobre remanejamento de números, de verbas e de dotações variadas.
A compra de ambulâncias deve ser direcionada para emendas orçamentárias, visando municípios menores, porque o superfaturamento na aquisição fica mais fácil e prazeroso. O mesmo, no tocante a remédios e compra de equipamentos hospitalares, que serão adquiridos superfaturados e com validade expirada; o foco em praças de esportes e tratores é supimpa, porque cativa de pronto o lado facilitador obscuro dos interessados, sempre pronto a incrementar alguma pilhagem”.
Ah! que alegria estar aqui, dizem os trevosos. Adoram propagar intrigas, difamações e calúnias, um hobby sofisticado, que somente os mais altos na hierarquia demoníaca praticam, porque o procedimento deve alcançar resultados de monta, face à sua credibilidade inicial, mediante a escolha criteriosa dos boateiros a cooptar.
O incentivo à lascívia também é praticado, direcionado a todos que no Congresso circulam, porque é de fácil disseminação, sendo suave para a lascívia, com a sua conotação de prazer sexual, encontrar guarida até entre os clérigos, pastores e no cardinalato católico. Ademais, os comprimidos para estímulos à ereção são parceiros exemplares das falanges trevosas, que vêm seduzindo empresários do setor farmacêutico para incrementar a produção e baixar o preço do produto.
O pequeno grupo de trevosos, que tentou implantar o direcionamento de parlamentares para o uso abusivo álcool, não se deu bem, porque a mesa diretora da Câmara criou a milícia “detecta bafo” e ameaçou os pinguços, com penalizações por falta de decoro, dentre outras tantas cominações regimentais.
Contudo, a turma da cocaína foi bem-sucedida, porque a droga aumenta a energia, dá sensação de poder e a vigilância do entorno passa batida.
Asmodeus, demônio associado à luxúria e à destruição, Belial, associado à perversão e à maldade, e Astaroth, um lorde do inferno, associado a conhecimento de segredos, estão no topo dos trabalhos dos trevosos na cúpula côncava e operavam livremente. Agora, surgiu fato novo na Esplanada, com a entrada em cena de clérigos vinculados à Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, que dista apenas 1,9 km do Congresso, também chamada de Catedral de Brasília. Segundo os clérigos, com a posse do novo presidente da Câmara dos Deputados, urge blindá-lo da influência da cúpula côncava e de seus famigerados ocupantes e influenciadores trevosos.
Estão sendo agendadas novenas com rezas prolongadas e súplicas encarecidas a São José Operário, padroeiro dos trabalhadores; São Mateus, padroeiro dos contadores e banqueiros, e a São Judas Tadeu, padroeiro das causas desesperadas e dos casos difíceis.
Segundo Nicanor, “a queda de braço ainda mal começou e os trevosos estão em vantagem, porque o novo presidente da Câmara “afirmou que pretende construir acordo com o Supremo Tribunal Federal, para aumentar o número de deputados naquela Casa, passando dos atuais 513, para 527”.
Asmodeus, o mais impetuoso dos patronos da cúpula côncava foi ao delírio, exclamando “Maravilhoso, a clientela vai aumentar”. eufórico acrescentou:
“Reúnam as falanges e façam pressão no Supremo, porque o careca é difícil. Vamos lutar para aumentar o número de deputados para 600, por enquanto, porque quanto mais carne fresca na Esplanada, melhor. “Aplaudam as trevas, meus queridos e” Viva as Trevas”, gritaram os trevosos, arrebatados em êxtase delirante e convulsivo!!!
*Caio Brandão é jornalista