03-02-2025 às 10h06
Caio Brandão*
O telefone tocou ainda era noite. Do outro lado Tito Guimarães, dando conta do falecimento do amigo em comum, Newton Cardoso. Diálogo curto, sem delongas, como era peculiar ao próprio Newton, de fala truncada, em frases entrecortadas, peculiaridades de quem, inclusive, não conseguia pronunciar a letra R . Lembro-me de Glorinha Beuttenmuller, fonoaudióloga renomada, que também acudia os artistas da Rede Globo, tentando ensinar o velho “Trator” a pronunciar corretamente a letra em questão. Ela cravava as unhas da mão direita no dorso do braço do Newton e exigia: eeerrrRRR!!!!, mas não dava muito certo. Isto lá pelos idos da sua primeira campanha a governador de Minas, saindo de Contagem, com a cara e a coragem de prefeito que não era o preferido de Hélio Garcia, para ocupar o trono da Praça da Liberdade.
Candidato a prefeito de Contagem, na primeira e vitoriosa tentativa, Newton aparecia como o anjo vingador de espada em punho no combate à ARENA, que deixara na cadeira Sebastião Camargos, em mandato tampão e que lançara como sucessor Francisco Pena, presidente da Câmara Municipal. Tião Camargos, cuja família mantinha feudo centenário na Contagem das Abóboras, engendrou, comigo, a contratação de João Carvalho, vendedor de cachaça e notório pela sua estatura e porte físico, para confrontar o Newton no palanque, chamando-o às falas e às vias de fato, no sentido de fragilizá-lo perante o eleitorado. João Carvalho, vidente, talvez, acertou o que tinha que acertar, mas dos dois lados, e deu ao Newton o seu apoio irrestrito, inclusive permeado de louvas, abraços e bençãos, com a intercessão de vários orixás. Tião, revoltado, confidenciou aos amigos: esse canalha vai acabar governador de Minas.
Escrever sobre o Newton é fácil. Ele flui, apesar de fugir por entre os dedos, porque é escorregadio no trato e no distrato. Agora, atendo ao celular Roberto Requião, por três vezes governador do Paraná, consternado pelo falecimento do amigo. Caio, disse-me Requião, a ajuda do Newton em minha primeira campanha foi crucial e ele nunca do favor me pediu a paga. Ficou no amor, simplesmente, o que é incomum entre políticos. Sei disso, Requião, respondi, aduzindo: você, depois de eleito, foi ao Palácio das Mangabeiras para agradecer o favor, eu estava junto, em companhia de outros tantos. Newton conduziu-o a uma salinha redonda, onde ele promovia confessionários de ocasião, deixando de fora os demais. Segundo o seu relato, à época, Newton se desculpou e disse-lhe: melhor ficarmos por aqui, Requião, porque lá fora só tem ladrão, se referindo a alguns empreiteiros, que também lá se encontravam. Esse era o Newton, de língua solta e muitas vezes temerária, como convém aos políticos.
Às seis da manhã, de hoje, troquei mensagens com a Maria Elvira, ex-deputada e de influência perene nos redutos de poder. A Elvira e o Newton foram namorados e desistiram da relação, em meio do caminho, mas continuaram bons amigos. Dito por ela, “ …. uma vez ele falou para mim: se eu tivesse casado com você seria presidente do Brasil. Fiquei lisonjeada. Mas, não seria não. Eu sempre fui independente e a cabeça à frente do meu tempo, nunca me casaria com ele. Era generoso, amável, mas dominador”.
Newton era mesmo dominador. O pior, para os seus interlocutores, é que ele, mesmo não tendo razão, colocava os seus argumentos com veemência e com verbalização nem sempre inteligível, pela sua maneira de tornar audíveis as suas palavras. Quantas vezes com ele concordei, sem entender o que falava, mas não faria diferença, porque a vontade dele iria prevalecer, como sempre.
Em que pese o seu jeito meio turrão, Newton era habilidoso e as pessoas gostavam dele, de pronto. Dizem que os obesos têm esse magnetismo de atrair pela simpatia. Deve ser a aglutinação dos cinco hormônios da felicidade, desfilando no carro alegórico da dopamina. Mas Newton nem sempre foi gordo, mas também não foi atlético. Na Magnesita, onde trabalhou, deu início às práticas de conquista calórica, entregando-se aos prazeres da carne, do doce, e dos milagres etílicos em geral, com paladar depurado para os uísques de qualidade. Um comilão, o Newtão, cujos assados de pequenas e tenras leitoas, em sua residência, são inesquecíveis.
Falar sobre o político não tem graça. Newton, politicamente, era um vitorioso, sim, mas de convivência turbulenta e às vezes tóxica. Em Contagem chegava cedo ao gabinete e costumava, ao longo do percurso de casa até o trabalho, anotar lâmpadas queimadas nos postes de rua, para poder providenciar a troca. Ele amava a cidade e a cidade o amava. Aliás, o amor, de certa forma sempre esteve presente em sua vida, por incrível que pareça, em face dos seus modos às vezes rudes. Maria Lúcia, sua esposa, foi sua melhor intérprete. Conheci-a na residência do casal em um condomínio em Contagem, com o segundo filho no colo. Guerreira, a Maria Lúcia, em sua trajetória ao lado do nosso “trator” a ele dispensou apoio e dele seguiu os passos, ingressando na política, em trajetória também profícua e vitoriosa.
De Nilberto Moreira, velho e querido amigo do Newton, recebi a mensagem: “A vida nos cobra o tempo, aos poucos, e agora, com mais frequência, vamos perdendo parte de nossas vidas”. E de Weber Americano, que também me telefonou, a alusão à minha presença na trajetória do Newton Cardoso. Sim, com ele mantive relacionamento durante décadas, pautado pela regência de vários matizes, que consolidaram amizade e respeito mútuo. Mas, me perdoe, Newton, não estarei em seu velório, porque estou fora de Belo Horizonte. Mas, não se preocupe, porque o nosso grupo, em que pesem as encruzilhadas em meio do caminho, segue toada na mesma estrada; é tudo mera questão de tempo. Nos encontraremos. Forte abraço do amigo, Caio Brandão.
*Caio Brandão é Jornalista