
Terra do Sonho Azul ou a Terra Amarela - créditos: Freepik
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M. Sahaf (*)
Seu nome era Paulo.
Paulo?
Poderia se o quisesse chamar-se Pedro ou Renato ou Guilherme.
Na verdade, o nome pouco importava.
Ali, naquele lugar e naquele tempo, muitos anos, mais muitos anos mesmo, depois de tudo, os homens viviam podendo viver tudo, tudo o que quisessem, sendo tudo o que podiam ou queriam ser. Isto mesmo.
Ali era a Terra do Eu Queria Ser.
O nome também pouco importava.
Aquele lugar poderia ser e chamar-se a Terra do Sonho Azul ou a Terra Amarela. A Terra das Bicicletas ou A Terra do Chocolate.
Você, enfim, decidia… o seu mundo, o seu nome e até os seus sonhos e o que você quisesse… ser.
No tempo que quisesse e como você quisesse.
Explico melhor, vamos supor que você quisesse ser Ayrton Senna, um corredor de carro, que foi, segundo a lenda, um brasileiro vencedor…
Pera aí, tem mais essa, se quiser ser holandês, suíço, chinês, árabe pode ser também.
Você poderia ser, por exemplo, um piloto de carro de corrida, ser um Senna, não ser brasileiro, ser africano, e jamais correr em Ímola. Ou caso quisesse, ser Ayrton Senna até a sua primeira corrida e, depois, pular e se tornar um Schumaccher.
Tudo se poderia ser naquele tempo e naquele lugar.
Entretanto
Tudo um dia complicou, quando um menino que, ninguém sabe quem era ou quem foi e nem o que seria, que também ninguém sabe como, chegara de um lugar que ninguém sabia de onde.
Este menino provocou uma grande complicação para o Sistema da Terra do Eu Queria Ser – infelizmente, haverá de ter sempre um Sistema, algo assim como a garantia de que tudo continuará sempre para melhor e se aperfeiçoando.
O menino que se chamava, então, Diogo queria ser o Diabo.
Na regra do Sistema ninguém podia querer ser um ser do mal. A Terra do Eu Queria Ser era a Terra dos Bons, dos homens bons, dos meninos bons, das mulheres boas… uma… sei lá… uma terra de gente sempre feliz.
· Uma terra da chatice também – garantia Ermengarda, uma menina bela que gostava de ser bela e viver a vida das pessoas feias, na história, na vida e nos nomes. Ela apoiava Diogo. Todos tinham o direito de ser o que queriam e o que quisessem ou não teriam direito a nada. E a Terra do Eu Queria Ser seria a Terra da Mentirinha.
Como seria o Diabo? Ele que era um ser extremamente feio, horrível, ele deveria assustar os outros. Deveria ser mal, muito mal. Fazer muitas maldades. Era o eterno destino do ser diabo. Mais do que feio. Ele teria que ter um rabo, dois chifres de bode na testa.
· Você quer mesmo ser o Diabo? – perguntou o Sistema.
· Quero.
· Quer?
· Quero.
Dariam a ele o prazo normal de conhecimento sobre o que era ser Diabo, a vida que o Diabo levava, o que era o Inferno, a casa do Diabo, a convivência com os outros diabos, dia e noite vivendo com diabos. Viver só com diabos deveria também ser de uma chatice tremenda, tendo que ser mal o dia inteiro e não podendo dormir tranqüilo à noite porque haveria sempre um diabo sacana para colocar pulga na cama, minhoca no copo d’água – Diabo bebe água mesmo no inferno.
E outras sacanagensinhas que os pequenos diabos gostam muito de fazer, até as mais inocentes, como colocar uma cobra cascavel debaixo do travesseiro.
Aquilo complicou a vida do Sistema, pois o menino que já não era mais Diogo e sim Gianechini, um artista, e ele permanecia insistente, não se recusaria a ser o que ele quis ser algum tempo atrás… enquanto isso, ele prosseguiria sendo o que lhe fosse possível ser.
Como ele gostasse muito de brinquedos, ele quis ser dono de um tanto de brinquedos e ele os teve. Quis mais, tornou-se dono de uma fábrica de brinquedos e haja brinquedos… quis mais, tornou-se um inventor de brinquedos e um dos brinquedos mais incríveis que ele criou foi uma pequena massinha, que cabia em sua mão. Não era bem uma massinha mágica, mas era quase isso. Uma massinha que, em sua mão lhe dava uma sensação daquele brinquedo que ele queria.
Se ele quisesse ter um joguinho de computador, com a massa na mão, o jogo aparecia e era só aplicá-lo no computador. Se quisesse beber leite com chocolate, era só pensar e com a massinha na mão, chegava o leite quente com o seu chocolate preferido.
Ele tumultuava o Sistema. Insistia. Queria continuar a ser o Diabo. Esperaria que a máquina se ajustasse, pois havia o risco de o Diabo endiabrado do jeito que era, complicar tudo e encerrar de uma vez por todas com todas as vidas possíveis.
Sem saída, pois ou se era tudo o que quisesse ou não se era nada, o Sistema decidiu que aquele menino que fora Diogo, André, Poeta, Sonhador, dono de uma fábrica de brinquedos, Gianechini, árabe e dono de um harém, que fora Senna, poderia ser o Diabo, mas antes eles queriam apenas que ele imaginasse o antes e o depois.
O antes de ser Diabo e o depois de ser Diabo.
A vida como era antes dele ser o Diabo e a vida como seria depois que ele já não mais fosse o Diabo.
Aí é que veio o grande desastre, a grande confusão.
Ele foi, fora e era tudo o que ele quis ser e queria ser, viveu muitas aventuras e muitas alegrias e ainda era um menino.
Um menino? Um menino, sim, senhor.
· Por que isto? Por que a dúvida?
É que esse negócio de idade há muito tempo embolara na Terra do Eu Queria Ser. Pois tinha gente de 80 anos que só queria ser criança e tinha menino de seis anos que já vivera gente de 15, 18 e até de 20 anos. Uma embolada sem fim.
Imagine, imagine, meu velho, imagine e continue imaginando… tudo pode. É a Terra do Sem Limites, a Terra do Desobedecer Sempre… da imaginação sem fim.
Ele era um menino. E lá estava, anotado, na sua Certidão de Nascimento, ele tinha n.5 anos e era o que contava.
Um senhor do Sistema (podia ser um outro menino) quis saber porque ele queria ser um Diabo – embora ali ninguém pudesse fazer este tipo de pergunta, pois o direito era de todos e qualquer um ser poderia ser o que quisesse sem dar satisfação a ninguém.
Mas o nosso Diogo, Pedro, Paulo, Senna, Gianechini e mais e mais era, profundamente, fundamentalmente, alegre e feliz… era sempre tudo o que queria ser e ele estava disposto a conversar e a explicar.
Ele sentou numa poltrona que não tinha começo e nem fim, uma poltrona imensa e que flutuava, pois ele era naquele momento um astronauta em viagem Inter galáxia, fazia uma viagem entre as estrela de X e YY.
Pois é, por que ele queria ser o Diabo? Ele respondeu:
· Eu queria ser o Diabo para ser um diabo diferente, nada de rabo, nada de chifre, talvez a cara de bode, pois eu acho que o bode não pode pagar o pato de ser feio e ser o mal. Eu seria o Diabo bom, alegre e que abandonaria essa história de fazer mal aos outros.
· O Sistema, agora sim, começou a entrar em pane e tudo começou a se desfazer na Terra do Eu Queria Ser, o Diabo não poderia jamais ser bom. O Diabo não tinha nenhuma chance na Terra do Eu Queria Ser. O diabo jamais poderia querer ser bom.
A complicação paralisou o Sistema.
Houve uma grande parada.
E tudo quase parou. A pane jamais seria consertada caso não encontrasse uma saída para a existência de um Diabo bom.
O que faríamos?
A única pessoa que continuava a ser era o menino que quis um dia ser o Diabo.
O que ele deveria fazer?
Se deixasse de querer ser o que quisesse, poderia jamais voltar a ser qualquer coisa.
Complicou tudo.
Era ele sozinho naquele estranho mundo, um imenso e pequeno mundo, e com uma decisão que deveria tomar: tudo continuaria?
Aquela Terra do Eu Queria Ser voltaria a funcionar qualquer que fosse a sua decisão.
Ele se anularia ou ele anularia tudo, pois parecia que persistir na sua vontade de querer ser o Diabo e o Diabo ser um ser de bondade a pane seria mantida.
O menino já não estava entre uma estrela e outra. Chegara à estrela YY, na Galáxia Gutemberg.
Ali, sozinho, em meio aos seus sonhos… e quantos não eram os seus sonhos?… ele tomaria a sua decisão.
Antes, ele queria dormir um sonho de n-anos-luzes, um sonho muito grande para descansar de sua mais longa viagem.
…………. ……………. …………..
Notícias Importantes da Terra do Eu Queria Ser
1.
Na Terra do Queria Ser não existiria nenhuma possibilidade para o Queria Ter, pois, a regra era simples, se todos quisessem Só Ter, ninguém teria nada. E o Querer Ter, dizia um menino, jamais acabaria.
Assim, na Terra do Eu Queria Ser descobriram uma ilha conhecida como a Ilha do Eu Queria Ter. Ela surgiu dentro da Terra quando, com o crescimento surgiu o primeiro objeto, e um menino quis ser aquele Primeiro Objeto, era um espelho.
Os meninos criaram, assim, a Ilha do Queria Ter. Há espaço para o Ter e o possuir passou a ser um exercício, um treinamento do Ser. O ser é mais do que o Ter e o Ter é efêmero, acaba. É rápido. O Ter é pouco sempre, sempre é o que limita, sempre é uma redução do ser a um objeto. O Ter, o objeto, não pode engolir o ser, prendê-lo, porque o ser é maior do que o Ter.
2.
· Capetinha!
· Você está encapetado menino…
Segundo aqueles que opinavam favorável à possibilidade de Diogo poder ser também o Diabo argumentavam que as mães foram as primeiras a abrir espaço para humanizar o diabo ao tratarem carinhosamente os filhos chamando-os de capetinha e qualificando as crianças ativas como encapetadas.
3.
A criança de quatro, cinco, seis anos vive o mundo da brincadeira, ela quer brincar, ela quer imaginar.
É quando ela brinca de ser gente grande e os pais entram com a pergunta
· Meu filho, o que você quer ser quando crescer?
· Meu filho o que você vai ser quando crescer?
Muitas vezes, os pais ao fazerem esta pergunta e a criança, muitas vezes, ao brincar imitando as profissões e os afazeres dos adultos, estão, com a brincadeira, estabelecendo um diálogo sobre a vida e sobre os mistérios da vida.
Este diálogo será sempre o mesmo, será sempre repetitivo? Não, a riqueza deste diálogo, sempre muito rico, só por existir como forma de diálogo. Como brincadeira, será sempre redimensionada se, os pais, como os educadores, tiverem consciência do diálogo em si e das profundas propostas que ele contém, como, por exemplo, aproximar concretamente um adulto de uma criança e uma criança de um adulto.
(*) M. Sahaf é escritor