
Em tempos de celebração a propósito do aniversário de nossa tão maltratada e desencaminhada Nova República. CRÉDITOS: Divulgação
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19-03-2025 às 09h10
Paulo Roberto Cardoso*
Meninos, eu vi. Eu vi como Minas, trabalhando em silêncio, em uma fina sintonia orquestrada por Tancredo Neves, coadjuvado no plano nacional pela bela alma de Thales Ramalho, o mais refinado ourives da política, nascido para além de nossas montanhas e, nem por isto, menos mineiro. Por opção e temperamento conquistou, em meritório reconhecimento legal e oficial, o justo e merecido título de Cidadão Honorário de Minas Gerais, em emocionante e emotiva solenidade numa noite inesquecível, no Legislativo mineiro.
Em tempos de celebração a propósito do aniversário de nossa tão maltratada e desencaminhada Nova República, é necessário que lancemos luzes e o olhar àqueles que, pela graça de Deus, permanecem vivo entre nós. Se bem que, como é do gosto de nós mineiros, recolhidos à discrição e ao silêncio, contrastando com a relevância e a importância que também tiveram naquela portentosa obra de engenharia política que nos levou à superação daqueles duros anos de exceção pela via da transição democrática negociada e pactuada.
Dentre as lideranças, com claras impressões digitais naquela obra coletiva, estava o então jovem deputado federal Sílvio Abreu de tradição trabalhista atraído ao velho MDB de guerra nos duros e ásperos tempos do “quem sabe e do talvez”.
Com a sua habilidade, energia, vitalidade e lucidez, a partir de sua Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, lançou-se, por noites e madrugadas nas sinuosas estradas daquele interior, arregimentando valorosos, corajosos e anônimos mineiros, que com suas mãos calejadas mourejavam em suas lavouras, em seus retiros, muitas vezes de chapéus de palha e pés no chão, se levantaram diante da convocação de tão jovem chefe político ao combate e à organização da resistência democrática, o caminho possível para a saída do tenebroso labirinto do arbítrio até sonhado restabelecimento do poder civil.
Assim, ao celebrarmos por esses dias, os 40 anos daquela histórica vitória no Colégio Eleitoral, no qual o Brasil foi dormir alegre, festivo, otimista e eufórico, para a aguardada posse, naquele 15 de março, de Tancredo Neves, encontrou-se, todavia, perplexo, com uma outra e contraditória foto na certidão de batismo da Nova República.
José Sarney, o “prestigitador”, velho conhecido de minha geração, que esteve nas ruas e praças do Brasil lutando por anistia ampla geral e irrestrita, Assembleia Nacional Constitucional livre e soberana e por eleições diretas para Presidência da República, deparou-se chocada com a ascensão à cadeira presidencial daquele que liderara a voz da reação conservadora, às lutas progressistas e democráticas daqueles tempos heroicos.
José Sarney, o herdeiro bafejado por um patrimônio construído com sangue, suor e lágrimas, um patrimônio para o qual não dera a necessária contribuição, ao menos não na mesma medida de centenas de milhares de patriotas brasileiros.
A bem da verdade, Sarney revelou toda a sua vocação e o seu código genético por inteiro. Quando, em sua frágil presidência, dedicava-se a um insólito exercício cotidiano de ataques à Assembleia Nacional Constituinte, então presidida pelo maior dos estadistas forjados na resistência democrática, Ulisses Guimarães, que, com coragem cívica e física não desmereceu o seu nome épico.
Assim, nesses dias, nos quais a memória política, com a sua característica amnésia seletiva conveniente afronta e provoca a hipermnésia, somos forçados a voltar a Minas Gerais daqueles turbulentos anos, para com justiça histórica, destacarmos, por exemplo, fato claramente portador de evento futuro naquele momento, qual foi, o da criação do então Partido Popular, bem como do PMDB e do PDS, partidos atropelados pela violência golpista da vinculação de votos para eleições de 1982, resultando na consequente incorporação do PP ao PMDB, selando dessa forma, definitivamente, a eleição de Tancredo Neves ao Palácio da Liberdade, de onde sairia triunfante para a conquista da Presidência da República no Colégio Eleitoral em disputa com o deputado federal Paulo Maluf, do PDS de São Paulo.
Justamente nesse cenário daqueles instigantes anos se processou aquela fina tecitura e urdidura no silêncio e discrição dos nossos vales e montanhas que se constituiu ontem, como hoje, da ação sábia e lúcida da experiência do combativo homem público Geraldo Santana, testemunha participante de seis décadas de nossa rica história política mineira.
Ele, Geraldo Santana, recolhido à sua amada Salinas, no Norte Mineiro, o hábil e fino artesão que costurou os celebres critérios de convivência partidária que garantiu a celebração e efetivação do vitorioso Acordo de Minas.
Homens públicos como os chefes políticos Geraldo Santana e Silvio Abreu Júnior não deveriam por sua discrição se recolherem no momento em que se celebram os 40 anos da Nova República. Ambos discretos, mas decisivos partícipes de sua gestação.
Geraldo Santana, com os Critérios de Convivência Partidária, e Silvio Abreu, incansavelmente plantando e consolidando as raízes do Partido Popular nas vastidões de nossa Zona da Mata mineira, viriam a criar as condições necessárias quando da incorporação do PP ao PMDB, para que Tancredo conquistasse a necessária hegemonia que garantiu a sua inconteste indicação à condição de candidato do PMDB mineiro ao Palácio da Liberdade, e, em seguida, ao Palácio do Planalto
Homem atento e leal aos seus companheiros, Tancredo Neves demonstrou, através de um acontecimento discreto e sem alarde midiático, o prestígio e influência de seu então jovem secretário de Interior e Justiça, Sílvio Abreu. Foi no Carnaval de 1984, em que Thales Ramalho convocado ao almoço na fazenda de Tancredo, na cidade de Cláudio, para lá se deslocou em um pequeno avião em companhia do seu amigo pernambucano, o médico Sávio Vieira, para ouvir de Tancredo, pela primeira vez, que aceitava ser candidato à Presidência da República no Colégio Eleitoral e para tanto renunciaria ao governo do Estado de Minas Gerais.
Portanto, naquele histórico almoço, apenas uma pessoa presente não integrante da família Neves, o então jovem Deputado Federal e secretário de Estado do Interior e Justiça, Sílvio de Abreu, que deveria, na sequência, reeleger-se deputado federal para a Constituinte, onde se destacaria na defesa da efetivação e consolidação das Defensorias Públicas. Hoje, uma realidade implantada nos mais distantes rincões do Brasil, garantindo a milhões de brasileiros, desassistidos, o acesso à Justiça gratuita tornando assim efetiva uma das mais legítimas promessas da Constituição Cidadã, que já caminha, ela também, para seus 40 anos.
Finalizando, é no resgate da nossa memória política que a tornaremos nova, novamente, a Nova República.
*Paulo Roberto Cardoso é Mestre e Doutor em Direito pela UFMG, Diretor Executivo do Diário de Minas, Presidente da SOAMAR – Sociedade Amigos da Marinha em BH, Coordenador do Grupo de Pesquisa e Estudos Estratégicos Raul Soares de Moura.