Sob a proteção de ambas, existimos, resistimos e reexistimos a essa grande e nem sempre divertida gangorra da vida. Pra lá e pra cá, de lá e de cá, tudo passa e elas ficam
22-11-2024 às 10h:14
Sérgio Augusto Vicente*
O que uma mangueira e uma casa erigida em 1902 têm em comum?
Eu diria que tudo… Uma e outra nasceram praticamente juntas, cerca de 122 anos atrás, cultivadas pelas mãos humanas, possibilitando o florescer de histórias e memórias que transcendem o existir da matéria no tempo presente. Ambas se habitaram e se habituaram às intempestividades do tempo e do espaço e a estes resistem.
Sob a proteção de uma e de outra, muitos encontros, afetos e desafetos se entrelaçaram em tramas espessas. Folhas e telhas se despedaçaram depois de muitas tempestades e outonos. Ambas, porém, permanecem fortes e vivas, não obstante os sulcos e fendas que os tempos lhes abriram. As raízes de uma, sendo o alicerce da outra (e vice-versa), mantiveram-nas de pé ao longo dos 122 movimentos de translação já feitos ao redor do astro-rei, cujos raios são fotossintetizados por uma e de cujos efeitos nocivos se protege a outra, com suas telhas de barro moldadas por mãos ancestrais.
Sob a proteção de ambas, existimos, resistimos e reexistimos a essa grande e nem sempre divertida gangorra da vida. Pra lá e pra cá, de lá e de cá, tudo passa e elas ficam, mesmo conscientes que somos da impossibilidade de nos banharmos duas vezes em um mesmo rio. Casa e mangueira continuam simbolizando tanto os vívidos tempos vividos como os não vividos por mim; bem como pessoas com quem convivi e outras de quem o tempo me distanciou. Ambas coexistem, portanto, como elos de uma poderosa corrente, conectando tempos, espaços e gerações, com raízes, alicerce, folhas e telhas, fazendo, juntas, a fotossíntese diária do humano que habita em nós através da história. E, assim, continuam frutificando e adoçando com seus sucos os amargos e dolorosos sulcos da vida.
* Sérgio Augusto Vicente é professor de História e historiador. Graduado, Mestre e Doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora (MG)