O que se pretende com este texto é refletir um pouco sobre a prática das virtudes em tempos tão caóticos, egoístas, em que o individualismo prepondera.
05-12-2024 às 08h:48
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Por que há tantos discursos sobre o bem, se a prática diverge disto? Por que a maioria das pessoas não busca tornar a sua prática um reflexo da sua fala? Porque não pensa o homem em sua temporalidade, age como se fosse eterno?
Marco Aurelio, é um autor que pertence a corrente filosófica do estoicismo grego, que discorre sobre o uso do que chama de bom-senso, sabedoria, em sua obra, “Meditações”, na qual apresentam-se reflexões sobre as virtudes e a importância de cultivar boas práticas, de modo a que se possa mudar o que pode ser mudado e aceitar o que não se tem controle.
O que se pretende com este texto é refletir um pouco sobre a prática das virtudes em tempos tão caóticos, egoístas, em que o individualismo prepondera.
A obra citada, é um diário e nesta o autor faz reflexões profundas endereçadas a ele mesmo e não dirigidas a algum leitor, mas em algum momento estes escritos chegam as mãos de um editor que os publica e brinda a todos com muita sabedoria.
Marco Aurelio, se dedica em sua obra, sobre a importância da ética, da sabedoria, da prática da justiça, da moderação, da coragem, da simplicidade, da benevolência, do espírito comunitário, da resignação e da aceitação do que não se tem controle.
Ele trata de certo modo de uma filosofia da práxis, do pragmatismo, de uma filosofia da ação.
Na obra, apresenta-se a ideia de se repudiar o quanto puder os vícios, ser benevolente com todos, obedecer às leis, ter sempre interesse comunitário, praticar o bem e não apenas teorizar sobre esta ou aquela corrente filosófica.
Não é apenas falar sobre como ser bom, o importante é aplicar o que se acredita. Viver é difícil, complexo, teorizar é bem mais fácil.
Se o homem está fadado a sofrer, posto sua condição precária no mundo, que seja benevolente, que não seja seduzido pelo poder, que não prejudique os mais fracos.
O livro é leve, discorre sobre a importância de se cultivar um bom caráter, generosidade, de suportar as fadigas, de não se ater a preocupações inúteis sobre o que não se tem controle, de tentar não proferir discursos maliciosos, não aceitar uma superficialidade excessiva em tudo e empenhar-se na virtude da ponderação.
Tentar sempre, tolerar, buscar harmonizar-se o mais possível com todos sem recorrer a artifícios de bajulação. Evitar censurar e interromper. Não fugir dos próprios deveres. Buscar o autocontrole, a polidez, a paciência.
Amar o próprio trabalho, persistir em tudo que lhe for importante.
Ser prudente, cuidar de si, mas não exagerar no apego à vida, ao corpo. Por outro lado, não negligenciar a própria saúde e tentar conservar o viço da alegria e espontaneidade da juventude, sem se afetar demais em vaidades.
Enfim, é importante compreender que para se colocar no caminho da ética, do bem e do probo não basta praticar ações isoladas, é preciso se movimentar num processo, num percurso.
É indispensável contar com a potencialidade criativa que se tem para aperfeiçoar o mundo, atuar de modo consciente, tentar produzir boas ações, viver e conviver atuando sempre de modo humano e generoso no cotidiano. As boas ações, a ética a ser praticada, cotidianamente não está dada, deve ser construída.
Importante se ater na compreensão de que o mundo e os indivíduos são imperfeitos. Portanto, deve-se pretender transformar suas falas no espelho de suas ações.
As relações humanas se perfazem por contratos, tácitos ou expressos. Por exemplo, o casamento é um acordo de vontades, assim como as amizades. As pessoas mantêm o pactuado se este lhes traz benefícios. A partir do momento que as coisas não vão bem, pode-se repactuar ou extinguir o contrato. O importante é que se entenda que todos buscam alargar seus patamares de satisfação e felicidade. Existem expectativas envolvidas.
Que entendamos que a vida é temporária, passageira, que tudo que hoje está, amanhã pode não mais estar.
Tudo é impermanente. Karl Jaspers, filósofo, professor alemão, em sua obra “Introdução ao Pensamento Filosófico” dizia que a vida é um parêntese entre o nascimento e a morte. Porém, o homem não gosta de pensar na sua finitude. Tudo que nasce, cessa, morre, um dia. A vida é uma sucessão de fatos, momentos, pessoas. Tudo chega ao seu fim. A temporalidade é algo inerente à vida.
Não se conhece a totalidade das coisas, se vive de uma compreensão parcial, de fragmentos. Necessitam todos, porém, de esperança e coragem. Não há respostas satisfatórias. Tudo são potencialidades e possibilidades. Quais riscos valem a pena correr?
Nada está determinado, o homem necessita de força, liberdade, senso de responsabilidade. As coisas têm seu tempo, as compreensões são sempre limitadas.
A vida é passageira, embarque no seu trem, faça suas escolhas. Assuma seus riscos: ame, chore, ria. Viva o que vale a pena para você. Atue no seu palco até que as cortinas se fechem. Porque, infelizmente, um dia, que ninguém sabe ao certo quando será, as cortinas se fecham.
Faça valer a pena, do seu modo particular, afinal cada um é irrepetível e único, a seu modo. Não há respostas prontas, crie sua narrativa, desenhe e construa a sua história.
Se você não realiza suas escolhas, a vida escolhe para você. Não há saída, só um tocar em frente contínuo. Se a vida tem um propósito maior não se sabe, que cada um preencha com o que lhe faz sentido. Portanto, brindemos a vida caro leitor!
Daniela é Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Atualmente, realiza Estudos Pós-Doutorais pela também UFMG, com financiamento público da FAPEMIG. Professora convidada no PPGD-UFMG (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais). Colunista do Diário de Minas.