
Opiniões são diversas e cada qual tem a sua - créditos: divulgação
10-08-2025 às 09h09
Marcelo Galuppo[1]
Opinião, todo mundo tem, e sobre tudo. Eu, por exemplo, sou da opinião de que a única carne saudável para as vacas é a carne de unicórnio. É verdade que ninguém sóbrio e são pensa que as vacas foram responsáveis pela extinção dos unicórnios, mas isso não importa muito: o que importa é que a opinião é minha e deve ser respeitada.
É interessante como ideias absurdas nascem, às vezes por pura diversão, outras por projeto político (patologias, muito álcool, um comprimidinho, má-influência ou falta do que fazer explicam por que podemos delirar, sozinhos ou coletivamente), mas mais interessante ainda é como outras pessoas, geralmente razoáveis nos demais assuntos, abraçam-nas como se fossem verdades evidentes universalmente conhecidas.
Dos Protocolos dos Sábios de Sião à convicção de que o homem não pisou na Lua, passando por bobagens mais inofensivas que qualquer pessoa que esteve em um curso superior continua repetindo como se fossem fatos (que usamos apenas 10% de nosso cérebro, que friagem causa gripe, ou que raspar o cabelo engrossa os fios), nossa vida está repleta de Mitos que moldam nosso comportamento sem o menor fundamento. A verdade é que opiniões podem ser perigosas para quem as possui ou para outras pessoas, como o movimento antivacina e as funerárias podem demonstrar.
Isso não implica que toda opinião deva ser rejeitada. Platão afirmou que conhecimento é opinião, só que verdadeira e justificada. Verdadeira quer dizer que descreve adequadamente o mundo, permitindo previsibilidade e controle. Justificada, que os eventos apontados para explicar o fenômeno são objetivamente sua causa: repetindo-se o primeiro fenômeno, nas mesmas circunstâncias, ocorrerá necessariamente o segundo fenômeno, o que pode ser confirmado por pessoas (ou instrumentos) independentes. Mas como explicar que surjam conhecimentos falsos ou injustificados que acabam sendo tomados por ciência?
René Descartes achava que o problema não estava no mundo, mas no cientista, sendo necessário um método para impedir que os conhecimentos falsos prosperassem neste solo fértil que é a imaginação, que origina tanto a teoria da evolução quanto o terraplanismo, se não se arrancarem dele as ervas daninhas. Essa ideia estruturou a ciência moderna e permitiu separar as opiniões com fundamento daquelas que expressam apenas a crença de quem as emite. A função do método não é descobrir a verdade do mundo, mas evitar o erro do cientista, o que é bem menos exigente.
Ainda que haja dois filtros (verdade e justificação) separando as opiniões que deveriam guiar nossas vidas das demais, a maior parte do conhecimento continua sendo opinião, o que explica a natureza provisória das teorias científicas. Já foram considerados verdades o geocentrismo, os quatro humores e a frenologia, e mandaram muita gente para a fogueira, o manicômio e a forca, mas ainda assim seria pouco sensato agir sem levar em conta as opiniões verdadeiras e justificadas. É irrazoável que um paciente não se submeta ao tratamento proposto pela medicina, ainda que se compreenda que não queira tomar uma garrafada oferecida por um curandeiro, mas as pessoas muitas vezes fazem o contrário.
Nossa adesão a opiniões falsas ou injustificadas decorre de nosso esforço para moldar o mundo conforme nossa imaginação: quando não se sabe, ou quando o que se sabe não corresponde ao que se deseja, substitui-se conhecimento por aquilo que Immanuel Kant chamou de fé dogmática. É nosso esforço desesperado para corrigir o mundo que faz com que nos voltemos para os falsos Messias, as Fake News e as teorias da conspiração, denotando não apenas nossa ignorância, mas também nosso autoritarismo (se o mundo e suas leis não são como eu gostaria que fossem, que mude o mundo!). E, para fugirmos às exigências do método, que discrimina não por nosso gosto pessoal, mas pela verdade e pela causalidade, nossa mente tem também seus subterfúgios: omitem-se fatos contrários, exageram-se outros, retiram-se alguns de seu contexto, estabelecem-se exceções, recorre-se a falácias para se justificar o desejo.
Não há vacina contra isso, nem mesmo medicamento: uma vez que sejamos contaminados pelas falsas opiniões, é difícil nos livrarmos delas, não importando os títulos acadêmicos que tragamos apensados a nossos nomes: cientistas também apoiam conclusões absurdas, mesmo quando fatos as negam, como no caso de Linus Pauling, prêmio Nobel de química que, na década de 70, difundiu a ideia (falsa) de que vitamina C curaria qualquer doença – mesmo não sabendo nada de medicina. A melhor prática para tentar se manter saudável, então, é o distanciamento produzido pela dúvida, pela desconfiança em teorias que explicam demais, pela certeza de que o erro é sempre uma possibilidade, pelo temor de sermos contaminados por uma opinião falsa e de perdermos a capacidade de usarmos a razão.
Mas não deveríamos manter a mesma distância em relação às verdades reveladas pela ciência? Há trinta anos, comer um ovo levaria a um enfarto no dia seguinte, e hoje não comemos ovos o suficiente, na opinião dos mesmos médicos… E seria possível nos mantermos adequadamente distantes, quando o conhecimento se torna tão complexo e variado como em nossos dias?
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG, e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, da editora Citadel, entre outros (compre aqui). Ele escreve quinzenalmente aos domingos no Diário de Minas.