
Ser professor tornou-se, mais do que nunca, "um ofício perigoso". CRÉDITOS: Reprodução
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25-04-2025 às 09h30
Brunello Stancioli*
Minha filha, de 11 anos, estava fazendo o dever de italiano. Entre as tarefas, havia uma tradução. Naturalmente, ela inseriu o texto em uma inteligência artificial e copiou o resultado.
Obviamente, não deixei assim. Intervenção parental: tradução à moda antiga, palavra por palavra.
Kant, em um texto que deveria ser lido por todo estudante nos primeiros dias da universidade, propõe-se a responder: “O que é o Iluminismo?”
O filósofo afirma que se trata da saída da menoridade moral, da qual o próprio ser humano é culpado. Ele exemplifica: se uma autoridade decide por mim, a situação torna-se cômoda. Não preciso pensar — basta obedecer. E pensar pode ser doloroso.
Se um coach decide por mim, se meu orientador de tese diz o que escrever, se o (não meu!) presidente me manda não vacinar, tudo fica simples. Basta cumprir a ordem.
Mas Kant alerta: isso mantém o indivíduo na menoridade moral. Ele será eternamente uma criança, agindo por recompensa ou medo de punição.
Então, ele conclama: “Sapere aude!”— “Ouse saber!” Tenha coragem de usar seu próprio entendimento! Claro, devo ouvir especialistas (sim, aqueles que estudaram, leram, criticaram, foram avaliados). Mas, em última instância, a decisão refletida — por mais cansativa que seja — é minha.
Agora, observe o potencial de um aplicativo de celular. Em vez de passar pelo processo deliberativo — estudar, criticar, traduzir —, uso um app, e ele decide por mim.
Sou entusiasta da tecnologia, longe de ser tecnofóbico. Mas a atitude espontânea da minha filha, como se não houvesse nada de errado, me assustou.
Médicos prescreverão com base em IA? Juízes e desembargadores julgarão apenas por máquinas? Artistas abandonarão a criação, delegando-a a aplicativos? Assustador. Tenho esperança — e convicção — de que não.
Vivemos tempos perigosos. A ficha caiu de vez. No mesmo dia, em questão de horas, o vice-presidente dos EUA declarou abertamente:
“Professores são os inimigos.”
O que será de nós, professores, se já antes soltavam-nos os cachorros? Às vezes, literalmente?
É evidente que o papel do docente mudou. Ele deve ser muito mais um maestro do conhecimento do que uma fonte absoluta de saber. Cabe a ele conduzir pesquisas, debates, análises — e, sim, criticar a opinião de uma inteligência artificial (podemos e devemos fazer isso).
Mas é melhor tomar cuidado. Ser professor tornou-se, mais do que nunca, “um ofício perigoso”.
(Este texto é para minha filha)
*Brunello Stancioli é professor na Faculdade de Direito da UFMG. Ironicamente, foi usada IA para questões gramaticais e de estilo.