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16-04-2025 às 11h35
Brunello Stancioli*
Houve uma “Famosa”, anos atrás, que declarou adorar comédias. Lia um livro do Jô, mas interrompeu a leitura para pegar a Divina Comédia.
Hoje, vejo outra pérola: uma candidata que tirou 980 na redação do ENEM atribuiu seu sucesso a Machado de Assis. Saiu em destaque no jornal local, posando entre obras do Bruxo do Cosme Velho. Só depois confessou: só tinha lido Crepúsculo.
A redação virou fórmula. Saturação de modelos, estruturas pré-fabricadas, um algoritmo a ser preenchido. O vestibular da UFMG da minha época era diferente — impecável. Exigia parágrafos dissertativos, cada resposta com estilo próprio. Nada disso era fácil: nem de elaborar, nem de corrigir. E, principalmente, era à prova de algoritmos.
Colegas já me mostraram dezenas de “modelos perfeitos”, extraídos de redações nota mil. A avaliação, claro, também se tornou mecânica. Isso não mede conhecimento — no máximo, gramática.
Poderiam mudar. Uma questão sobre Dom Casmurro, pedindo um parágrafo analítico. Outra, um comentário sobre uma reportagem do The Economist. Nada de Crepúsculo, nada de mapa mental.
Redação é interpretação. É hermenêutica. Só quem leu muito, criticou muito, pensou muito, chega a 980 — ou a qualquer parágrafo que valha a pena. Seja narrativo, dialógico, ou uma tomada de posição fundamentada sobre conflitos geopolíticos.
A inteligência artificial está aí. Em breve, não precisaremos de dispositivos para acessar o conhecimento — ele virá direto para nossas mentes. A pergunta será: O que fazer com tudo isso?
A resposta está no ensaio hermenêutico, persuasivo, organizado. Está no Trivium. Está nos gregos.
* Brunello Stancioli é professor na Faculdade de Direito da UFMG. Foi usada inteligência artificial para auxiliar na correção da gramática e do estilo