
Saúde mental e carreira profissional adam juntas - créditos: divulgação
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06-04-2025 às 08h28
Alessandra Garcia (*)
Pouca gente fala sobre isso com a devida franqueza: sua saúde mental e sua carreira estão emaranhadas de um jeito que, se uma adoece, a outra também sente.
Sim, você pode continuar entregando, cumprindo prazos, aparecendo nas reuniões e mantendo as aparências. Mas, quando o corpo e a mente entram em modo de sobrevivência, é só uma questão de tempo até o brilho apagar, o propósito sumir e a sensação de “não estou mais me reconhecendo” tomar conta.
E o mais complexo? Isso nem sempre acontece em ambientes declaradamente tóxicos. Muitas vezes, o adoecimento começa silenciosamente nas altas demandas autoimpostas, nas expectativas não verbalizadas, na ausência de pausas, na culpa de dizer “não”.
Carreira saudável não se mede só por conquistas
É comum a gente associar sucesso profissional a promoções, aumento de salário, cargos de liderança. Mas será que isso basta?
Se o preço que você está pagando é exaustão, ansiedade constante, sensação de estar sempre devendo algo a alguém — talvez seja hora de repensar o que, de fato, significa sucesso.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o esgotamento ocupacional já é considerado um fenômeno diretamente ligado a contextos laborais crônicos de estresse mal administrado.
E mais: uma pesquisa da Deloitte com mais de 3.000 profissionais revelou que 68% deles se sentem sobrecarregados de forma recorrente, mesmo trabalhando em casa ou com horários flexíveis.
A conta não fecha.
A flexibilidade aumentou, mas a sensação de liberdade diminuiu.
A produtividade subiu, mas a motivação caiu.
Estamos ganhando mais autonomia, mas nos sentindo mais pressionados do que nunca.
A pergunta que ninguém quer responder: você está inteiro na sua carreira?
Muita gente está vivendo uma carreira que parece ser bem-sucedida por fora, mas está completamente desconectada por dentro.
E esse desalinhamento cobra um preço alto: baixa autoestima, perda de identidade, crises de ansiedade e, em casos mais extremos, afastamentos e abandono da própria trajetória.
É por isso que precisamos falar sobre saúde mental como parte da gestão ativa da carreira — e não apenas como um benefício da empresa.
O que está nas suas mãos (e o que não está)
Há um ponto delicado, mas necessário: há sim uma responsabilidade das organizações em criar ambientes mais saudáveis, mas enquanto isso não acontece plenamente, o profissional também precisa olhar para si e assumir o que está ao seu alcance.
Porque sim, saúde mental também é uma escolha de gestão pessoal — feita todos os dias, nos limites que você estabelece, nas relações que você nutre, nas decisões que você adia ou encara.
Veja algumas perguntas que podem te ajudar a fazer esse balanço com honestidade:
- Você sabe quais são os seus limites reais de energia, tempo e atenção — ou só percebe quando já está exausto?
- Você diz “sim” para tudo com medo de perder espaço?
- Você está construindo uma carreira que faz sentido pra você — ou só está respondendo a pressões externas?
- Como estão seus vínculos no trabalho: apoio ou isolamento?
- Sua rotina permite descanso de verdade — ou você só pausa quando o corpo trava?
Carreira sustentável se constrói com autoconsciência
Uma carreira saudável não se faz apenas com currículo robusto. Ela se faz com alinhamento interno, coerência de escolhas, coragem de dizer “isso aqui não me serve mais” e espaço para respirar.
Isso exige algo que a gente nem sempre aprende na formação profissional: a capacidade de escutar a si mesmo com atenção e responsabilidade.
Exige também parar de naturalizar o sofrimento como parte da vida adulta produtiva.
Exige escolher não se tornar herói de um sistema que recompensa o excesso e ignora os sinais de esgotamento.
E não, isso não é sobre romantizar a zona de conforto
Trabalhar duro é importante. Superar desafios faz parte.
Mas há uma linha tênue entre dedicação e auto violência.
E cruzar essa linha, por muito tempo, pode custar sua saúde — e, com ela, todo o resto.
A pergunta final não é “onde você quer estar daqui a 5 anos?”
A pergunta que vale mesmo é:
Como você quer se sentir ao longo do caminho?
Se sua carreira te tira mais do que te entrega, talvez não seja sobre mudar de emprego. Talvez seja hora de mudar o jeito como você se relaciona com ela.
Porque não existe carreira de sucesso sem você inteiro dentro dela.
(*) Alessandra Garcia é mentora de carreira, gestão e liderança, especialista em educação corporativa, ajuda profissionais a construírem carreiras sólidas e alinhadas com seus propósitos