
Duzentos casos foram registrados na literatura mundial). CRÉDITOS: Freepik
11-03-2025 às 09h13
Rita Prates*
Desde pequeno Pedro se sentia diferente. A família comentava a quatro cantos que ele era uma criança estranha.
Criança estranha porque falava sozinho, mas toda criança fala sozinho e brinca com os seus amiguinhos fantasmas. Pedro era diferente, conversava, brincava e até brigava com o amiguinho imaginário, como se realmente ele existisse.
Com o passar dos anos Pedro continuava em contato com esse ser invisível. Agora, um jovem e já era tempo de parar com essas bobagens. A mãe o levou ao médico preocupada com o comportamento do rapaz. Ele continuava a falar e até zoar com o estranho amigo. A família passou a achar que ele tinha alguma doença neurológica.
Os exames não deram em nada. No espiritismo diziam que ele se comunicava com mortos e deveria desenvolver-se, porque tinha espirito de luz. A família não aceitou, não queriam alardes que o prejudicasse.
Pedro não se importava, sentia que tinha um companheiro fiel. Parecia loucura sim, mas algo o prendia a aquela criatura imaginária. Quando dormia, sentia-o mexer dentro dele. Uma angústia o fazia encolher e abraçar o seu corpo, até passar a dor do coração em pedaços.
Nunca contou a ninguém sobre esses momentos de longos choros internos. Se falasse, diriam que ele estava louco, bastavam os exames que a cada dia o taxavam de bipolar, de esquizofrênico e uma lista interminável de doenças.
Quando se interessou por uma garota da escola, desejou contar para ela que ele se comunicava com o amigo, que na verdade ninguém podia vê-lo. Sabia que ela não o entenderia e se afastaria dele como alguns colegas, que o acham um garoto estranho, pirado.
Ao sentir desejos pela garota, o seu corpo se transformava em tesão. Envergonhado pela situação, às vezes constrangedora, pedia ao amigo imaginário que o socorresse e o fizesse invisível como ele.
Nada acontecia. Pedro em silêncio reclamava da falta de apoio de quem sempre estava ao seu lado e que nada fazia para ajudá-lo. Momentos de brigas mentais e de reconciliações. Depois Pedro compreendia que o outro fazia parte da sua dupla personalidade, e que ambos tinham que controlar os rompantes da juventude.
Pedro queria entender o que se passava com ele. Lembrou-se que o avô nasceu em uma região da Indonésia e, segundo ele, de três em três anos os habitantes de algumas aldeias faziam o festival Manene.
A festa começava com os familiares tirando os cadáveres dos caixões, os limpavam, trocavam as suas roupas e lhes davam novos caixões. Era o momento de a família interagir com o morto, conversar sobre o que fizeram nos três últimos anos, e de se deixarem fotografar ao lado do ente querido.
Muitos deles estavam mumificados, com cabelos escovados pelos seus. Seres estranhos vindos da profundeza da terra, mas queridos e respeitados pelos familiares. Achou bizarro ver a foto do avô abraçado ao cadáver do bisavô.
Pedro rapidamente acreditou que poderia solucionar o seu caso com o seu companheiro irreal, pediu a irmã que o fotografasse em pé em variadas poses. Queria ver se nas fotos o seu amigo surgiria ao seu lado. Ledo engano, ele estava era dentro de sua cabeça.
Era tão nítidas as conversas mentais com o seu amigo permanente, que podia sentir o batimento duplo de seu coração, o ranger dos seus dentes e o aperto constante no estômago quando queria expulsá-lo de sua vida.
Em uma dessas discursões entre Pedro e o ser imaginável que habitava nele, Pedro deu um basta. Reclamou que não tinha um minuto a sós, nem privacidade. Que a voz que vinha de suas entranhas o deixava atormentado e infeliz. Que preferia morrer, do que continuar a ser um jovem estranho aos olhos dos outros.
Ao deitar sentiu uma forte dor no estômago, uma dor que lhe invadiu a alma e fragilizou o seu corpo. Uma dor que lhe causava vômitos, que lhe apertava sem dó a sua famosa barriguinha sex. Uma dor que o fez berrar e pedir ajuda, pois sentia que estava à beira da morte.
Ao chegar no hospital os médicos suspeitaram de um tumor no estômago, devido ao inchaço na região. Sedaram o rapaz que gritava e erguia os braços parecendo que se agarrava a alguém que não o queria abandonar.
Novos exames surpreenderam a todos. Não era um tumor, e sim um feto em sua estrutura gástrica. Era o seu irmão gêmeo que havia desaparecido misteriosamente da barriga da mãe. Ele havia migrado para o estômago do irmão hospedeiro e se desenvolvido durante quinze anos dentro de Pedro.
O feto irmão estava com couro cabeludo e órgão genital formado. Sua estrutura de 23,8 cm de comprimento e 1,6kg desenvolveu-se a partir do sangue de Pedro. Ele não possuía boca, placenta ou cordão umbilical, mas possuía crânio deformado, corpo vertebral e ossos longos.
Segundo cientistas na época em que ocorreu o sucedido, e repercutiu nas redes de comunicação, afirmaram que casos como o do Pedro são raros. São causados pela má formação dos fetos na gravidez, em que, quando ocorre uma separação incompleta dos irmãos, pode ocorrer um deles absorve o outro.
Foi uma operação de alto risco retirar o irmão de dentro dele. Pedro conseguiu sobreviver à longa cirurgia, que lhe arrancou das entranhas o irmão que vivera com ele e dentro dele durante anos.
Quando acordou da anestesia, passou a mão sobre a barriga vazia, depois levou a mão sobre a sua cabeça, agora também vazia. Lágrimas escorreram pelo seu rosto, fechou os olhos e pode finalmente dormir sem escutar vozes.
(História baseada em reportagem publicada na revista científica BMJ Case Reports de 24/08/2017. Duzentos casos foram registrados na literatura mundial).
*Rita Prates, escritora, é mestre em Administração, professora de graduação e de pós-graduação em Gestão, autora do blog vidasemcontos