
Trem de ferro Vera Cruz nos tempos áureos do transporte ferroviário brasileiro - créditos: divulgação
03-03-2025 às 08h28
Henrique German (*)
Lembro-me bem da primeira viagem no extinto Vera Cruz, que fazia a ligação ferroviária entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Eu era pequeno, criança ainda, porém nem por isso deixou de causar-me funda impressão a chegada à Praça da Estação, já de noite, com as suas luzes, os canteiros e as fontes. Aquela praça, dali em diante, seria, para mim, um dos mais belos lugares da cidade. Ainda é.
O meu pai, de terno e gravata, como costumava vestir-se, a minha mãe e a minha irmã, em seus vestidos de viagem, e eu, bem, não me lembro, precisamente, de como me trajava, contudo, aposto que era um conjunto de bermuda e camisa, estampadas ambas com os mesmos motivos.
Recordo-me do imenso e lindíssimo prédio da estação, todo iluminado, da enorme plataforma movimentada e, claro, do gigante de aço, brilhando sob as lâmpadas, vagão a vagão, limpo, liso, imponente. Por causa do Vera Cruz, àquela primeira visão, nasceu em mim, desde muito cedo, um grande amor pelos trens e pelas estradas de ferro.
O meu pai comprara acomodações no vagão-dormitório, o que nos dava direito a ocupar uma cabine com dois leitos do tipo beliche, tendo ele dormido com minha irmã, na cama de baixo, e eu com a mamãe, no catre superior. Havia, ainda, se bem me recordo, uma pequena pia de metal dotada de espelho, a um canto, e uma mesinha.
Na parede, interruptores, não apenas para a lâmpada central do teto, mas também para o meu deleite, para as pequenas luminárias de leitura, ao lado de cada cama.
Os banheiros eram de uso comum, no corredor das cabines, em ambas as extremidades do vagão, ao lado das portas de acesso, tanto aquelas do próprio trem quanto as dos vagões contíguos.

Falando em vagões contíguos, andei a visitar, de mãos dadas com o pai, os vagões comuns, repletos de poltronas, duas a duas, à moda dos atuais ônibus de viagem. O melhor, todavia, era o vagão-restaurante, no qual jantamos lautamente, com direito a garçons e ao primeiro refrigerante de laranja da vida, o velho “Crush”.
A chegada ao Rio, de manhãzinha, na Central do Brasil, era também deliciosa, embora já em uma atmosfera bastante diferente, muito menos romântica e bonita que aquela respirada em casa, além de, geralmente, muito mais quente e desconfortável.
Tive o prazer de viajar no Vera Cruz poucas vezes e, até hoje, custo a crer que uma tal joia tenha sido, simplesmente, desprezada e posta de lado.
Com o fim do trem, começamos a usar os ônibus para o Rio, na antiga BR-3. Em uma palavra, lamentável…
(*) Henrique German e escritor