
Há entretanto um aspecto estrutural, muito mais importante que os sensos gravíssimos da hora, que nos levam à greve. CRÉDITOS: Divulgação
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25-02-2025 às 09h05
José Luiz Borges Horta*
O leitor do Diário de Minas há de me perdoar em insistir em temas ligados à educação.
Sempre quis ser professor, me apaixonei pela Faculdade aos dezoito anos e desde então
dedico a vida às universidades públicas, gratuitas e de excelência brasileiras — e antes da
UFMG, fui professor substituto na Federal de Ouro Preto e professor adjunto na Federal
do Rio Grande do Norte. Desde novo, sempre tive gosto pelos colegiados universitários e
suas reuniões, às vezes insuportáveis para colegas menos abertos às questões coletivas ou às
diferenças tão ricas que temos dentro de nossas universidades (e, goste-se ou não das
quotas, elas aumentaram a fortuna da Academia e sua capilaridade social sem qualquer
decréscimo qualitativo — os “negacionistas” de décadas passadas já nem argumentam
mais).
Como me agradavam as reuniões e os colegiados — e são ambos inúmeros em qualquer
universidade pública, gerida democraticamente —, e eu era graduando em Direito,
juntaram-se a fome e a vontade de comer, e fui estudando, cada vez mais, os ordenamentos
básicos da UFMG, as portarias e pareceres do Conselho Federal (depois Nacional) da
Educação, acompanhei a tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira,
estudei a história das universidades e do direito à educação, escrevi um Direito Constitucional
da Educação, participei de inúmeros projetos de inovação acadêmica… Talvez eu possa dizer,
já hoje no topo da carreira docente na melhor universidade federal brasileira, que de federal
eu entendo.
E nós estamos em greve. Não só os docentes, mas os técnicos e administrativos também.
Obviamente, não é uma greve ideológica contra o Governo Federal. Também não é uma
greve contra o Ministro da Educação, ou contra a Ministra da Gestão. A greve, do ponto de
vista conjuntural, em seus aspectos visíveis a olho nu, é um apelo desesperado de um
conjunto importante de servidores públicos, que vimos nosso poder de compra salarial
desabar em dez anos. E ao mesmo tempo vimos e vemos servidores públicos, de setores do
mesmo Poder “Executivo”, tendo seus vencimentos se multiplicando e muitas vezes
ultrapassando candidamente o teto constitucional. É um pedido de socorro de uma parcela
das classes, digamos, médias, que sofreu forte impacto em sua vida, consome menos do
que deveria — compra menos livros, até por não caberem em apartamentos menores, cada
vez menores. Professores sem livros. Essa é a consequência real da intransigência para com os
docentes e demais servidores das federais.
Há entretanto um aspecto estrutural, muito mais importante que os sensos gravíssimos da
hora, que nos levam à greve — e que poderia inclusive resolver, com imaginação
institucional, boa parte dos impasses da greve.
As universidades federais, constitucionalmente autônomas, são voltadas ao ensino, à
pesquisa e extensão. No Brasil, onde ensino e até extensão são feitos por instituições
privadas, a pesquisa e a inovação seguem majoritariamente universitárias e
majoritariamente públicas.
Essa realidade deveríamos assumir, primeiro, como uma característica do arranjo produtivo
brasileiro (em que o capital privado, no agronegócio como na indústria, depende das
inovações que produzem as universidades públicas, com capital público — ou ao menos
deveria ser público).
Há uma segunda razão para assumir essa rara vocação das universidades públicas brasileiras
para a pesquisa: o séc. XXI será ainda mais dependente do desenvolvimento cientifico,
filosófico e tecnológico que os demais, por exigir permanente inovação. E não há ambiente
mais propício à inovação que uma universidade autônoma, onde a liberdade de pensamento
e de pesquisa encontram o infinito poder da criatividade.
Por isso, talvez o mais grave problema estrutural que assola as universidades federais
brasileiras é estarem ainda vinculadas ao Ministério da Educação, algo que mascara o papel
universitário na Ciência do País e seu protagonismo na inovação, e já é anacrônico em
relação a muitos Estados que, sabiamente, possuem um Ministério de Estado para cuidar
de suas universidades ou as vinculam não a seus ministérios da educação, mas a seus
ministérios de ciência e tecnologia.
E o Brasil possui, já há décadas e décadas, seu hoje chamado Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), a que se vinculam alguns dos mais importantes órgãos de
fomento à pesquisa do Brasil — como o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico, o CNPq, que me apoiou desde a graduação —, e que sempre teria
tido as mais apropriadas condições para lidar com as universidades federais.
Não digo isso pela circunstância de que olhar para a galeria de ex-Ministros de Ciência e
Tecnologia revela inúmeros nomes com os quais as federais conseguiriam dialogar com
grande êxito — e que paradisíaco seria dialogar com a atual Ministra de Estado da Ciência,
da Tecnologia e da Inovação, Luciana Santos, não somente de igual estatura que os mais
destacados de seus antecessores, como dos mais hábeis e competentes integrantes do atual
governo federal.
O MCTI sempre deteve as chaves com as quais a carreira docente pode ser revolucionada
pelo Governo Lula: bolsas as mais diferentes, via CNPq, investimentos de pequena monta,
via FINEP. Estivéssemos nós das federais submetidos não ao já vago e impreciso conceito
de Educação, mas ao MCTI, e sobre a mesa a Ministra Luciana Santos poderia trazer um
leque de bolsas, inclusive de novos tipos ou com vetores diferentes, com valores que
pudessem ser agregados ao cozido de pedras que o governo quer servir aos professores de
nossas universidades federais.
Transferir o parque de universidades federais para o MCTI seria uma revolução científica
no Brasil. E, de quebra, acabava a greve.
*José Luiz Borges Horta é Professor Titular de Teoria do Estado na Universidade
Federal de Minas Gerais e professor visitante sênior PrInt-CAPES na Facultat de
Filosofia da Universitat de Barcelona. Sindicalizado e ex-dirigente do APUBH.
Contato: zeluiz@ufmg.br