
Putin tomou à frente e foi logo dizendo para Trump. CRÉDITOS: Divulgação
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24-02-2025 às 10h51
Caio Brandão*
Putin acordou mais cedo, algo anormal em sua rotina. Estava ansioso por dois motivos: primeiro, desejoso de abocanhar porções de “petite malaco”, guloseima russa feita de suflê arejado de baunilha, com morango, limão e hortelã, coberta de flocos de chocolate. Sentou-se à mesa de canto, na copa próxima à cozinha, no resort presidencial de Gelendzhik, na região de Krasnodar, em companhia de seus dois cachorros de estimação, da raça Pungsan.
Os cães lhe foram presenteados pelo ditador Kim Jong-um, da Coreia do Norte, que considera os animais dessa raça incorruptíveis, mesmo frente a uma suculenta tíbia oferecida por algum agente estrangeiro; segundo, porque Putin, ainda de pijamas de algodão, largo e confortável aguardava, inquieto, telefonema do magnata Donald Trump, que acabara de assumir a presidência dos Estados Unidos, pessoa das suas relações de amizade, desde os tempos das transações especulativas comerciais de alto bordo vinculadas a petróleo e afins.
No decurso da primeira mordida no “malaco”, Putin foi abordado por assessor de rosto enfeitado por enormes rosáceas, dentes malcuidados e cabelos ruivos, que adentrou a sala abruptamente.
– Presidente, disse o assessor, Kim Jong-um está ao telefone e quer saber sobre os cachorros, se estão bem adaptados ao clima e, também, pergunta a opinião do Presidente sobre a última carga de trouxinhas de cocô humano, que ele mandou lançar sobre o território da Coreia do Sul.
Putin, nervoso, pediu ao ruivo que dispensasse o gordinho, porque aguardava ligação do Trump, e que cumprimentasse o coreano pelo bombardeio de merda feito sobre a Coreia, “ataque de grande alcance para baixar o moral do inimigo”.
E, mais, acrescentou Putin, diga ao Kim-Jong-um que os cães estão bem, mas que soltam muitos gases – por conta da alimentação, talvez – e que vou aproveitar a ideia das bombas de cocô para atormentar os ucranianos.
Putin gosta de andar pelo seu palácio e de inspecionar, pessoalmente, a manutenção da imensa residência, tida como a maior mansão particular da Rússia, dotada de cassino, spa, igreja ortodoxa, piscinas e de todo tipo de conforto conhecido.
Ludymila Putina, a esposa, não costuma acompanhá-lo nesse passeio matinal, preferindo permanecer em outra residência do casal, em Kaliningrado. Madame está sempre mal-humorada e parece não apreciar a companhia de seu consorte.
Com os cães em paralelo e seis seguranças armados, três à frente e três atrás seguia Putin, pelos corredores do palácio, imerso em seus pensamentos e rindo dos 260 balões com fezes e lixo lançados por Kim Jong-um no país vizinho, em retaliação ao envio pela Coreia do Sul à Coreia do Norte, de pen drives com músicas k-pop de conotação sensual e contrárias à sua política de governo.
Quisera, pensou Putin, com os seus botões, poder transformar a guerra com a Ucrânia em mera troca de ofensas, músicas extravagantes e cocô em profusão, porque seria muito mais barato e poderia durar para sempre, mantendo acesa a repulsa recíproca entre os seus dirigentes. Seria um hobby, uma distração, sem perda de vidas e com pouco dispêndio financeiro.
Elucubrações à parte, de novo surgiu o assessor apressado, de rosáceas e cabelo ruivo.
- Presidente!! Exclamou o russo. O Senhor Trump está na linha e acrescentou: a ligação passou pela segurança de ambos os países, é segura, e o Senhor pode falar sem receios”.
Putin pigarreou e com gesto grosseiro, impulsionando quatro dedos da mão esquerda com a palma virada para baixo, pediu aos seguranças que se afastassem, mas manteve os cachorros e falou num inglês arrastado e de parcos recursos:
- Como vai, meu caro? Quero parabenizá-lo pela expressiva vitória e desejar ao amigo governo profícuo e de grandes realizações.
Putin tinha decorado a frase no dia anterior, repetindo-a à exaustão. Trump, do outro lado da linha, respondeu em russo, com dois ou três engasgos e um gole d’água, agradecendo os cumprimentos e entrando direto na pauta escolhida, mas falando em inglês. Trump, que frequentara a Rússia em outros tempos, como empresário e mediante conotação de negócios especulativos no segmento petróleo e afins, estava à vontade, chegando até a perguntar por uma acompanhante loira, de olhos verdes e de seios fartos.
Mas, Putin tomou à frente e foi logo dizendo:
“Eu não esperava que o Volodymyr Zelensky fosse tão aguerrido. Um presidente que mora no Palácio MariYinsky e se reveza entre mais duas residências, a Casa da Viúva e a Casa das Quimeras, vestido com aquele macacão démodé, deveria ser um bonachão, mas é muito resiliente. O sujeito renasce todos os dias pronto para a luta. Ele é ator de profissão e desempenha na política o papel que escolheu e está dando certo, porque ele também é roteirista e diretor de cinema e de televisão. Essa guerra era para ser rápida, com negociação boa para a Rússia e conveniente para a Ucrânia, mas o carro atolou.”
– “Não se preocupe”, disse Trump. – “Vou reduzir o apoio financeiro, criticar publicamente o Zelensky e atrasar a entrega de armamento, mas preciso dessa guerra como pano de fundo para as minhas pretensões no Canadá e na Groelândia.”
– “Mas, Trump”, disse Putin: -“ Se você toma a Groelândia e anexa o Canadá, os chineses invadem Taiwan num piscar de olhos. Ademais, esteja certo de que o desnorteado do Maduro vai criar problema com o Brasil, atravessando Roraima, para ocupar a Guiana. Concordo, a priori, que podemos fazer vista grossa nesse caso, mas vai ser duro aguentar o choro do Lula, porque aquele sindicalista, além de metido a negociador, é um chato.”
E, continuou, o Putin:
- “Trump, meu caro, você precisa rever a intenção de esvaziar o território palestino. Por favor, nem pense em mandar aquela gente para cá, porque já tenho problemas demais. Sobre a beligerância dos judeus, não sei o que você vai fazer, mas tome cuidado. Esses hebreus crucificaram um tal de Jesus, que era todo “paz e amor”, e não gostam de fazer amigos. Ademais, metade do dinheiro dos americanos está depositada nos seus bancos e instituições financeiras.
E, empolgado, Putin continuou:
- “Sobre a negociação de paz entre a Rússia e a Ucrânia, vamos deixar o Zelensky de fora. Converse com ele em separado, sirva champagne, traga algumas mulheres para decorar o ambiente, mas cuidado com gravações e vídeos, porque ele é do ramo. Quando nós batermos o martelo Zelensky vai ter que aceitar o acordo que fizermos. Corte o dinheiro, corte armas e munições, corte tudo o que puder, mas na surdina, sem alarde e vá devagar com o andor, porque o santo é de barro. Por aqui, estou cuidando de superestimar o arsenal atômico russo, o que aprendi com o saudoso Nikita Khrushchov. Ele mandava fabricar ogivas imensas, feitas de madeirite e papelão, muito realistas, para desfile na Praça Vermelha, um sucesso. Encomendei centenas, mas um sacana pintou várias delas de cor de rosa, querendo me desmoralizar”.
– “Putin, disse Trump, sábios conselhos, mas não se preocupe, amigo. Vou manter pressão na expulsão de ilegais, porque isto vai deixar a imprensa ocupada. Também vou incrementar a dispensa maciça de funcionários, porque isso dá prestígio ao governante e o povo adora, imobilizando o Congresso e deixando o Judiciário desconfortável. Vamos manter as nossas conversas em off, disse Trump, para Putin que, atento, escutava, enquanto dava tapinhas no dorso dos cachorros, que retribuíam com lambidas lânguidas e sedutoras.
* Caio Brandão é jornalista