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17-02-2025 às 10h10
Luís Carlos Silva Eiras*
Nas duas guerras mais importantes do momento, Gaza e Ucrânia, têm surgido ótimas oportunidades de negócio. O Irã, por exemplo, vende armas para o Hamas e para a Rússia. Os Estados Unidos emprestam dinheiro para a Ucrânia comprar armas dos Estados Unidos, que, junto com a União Européia, conseguiram um excelente campo de prova de novas armas contra a Rússia – sem estar em guerra com a Rússia. O mesmo pode-se dizer de Israel em relação à Gaza (Laboratório Palestina, Antony Loewenstein, elefante, 2024). E talvez essa guerra seja apenas a primeira etapa de um lançamento imobiliário.
Mas, como se trata de um assunto desagradável – a economia da morte – existem outras maneiras de conhecê-lo de maneira mais divertida. Abaixo estão duas peças de teatro e três filmes, onde a guerra é um mercado lucrativo não apenas para fabricantes de armas, mas também para pequenos empreendedores e intermediários com influência política.
A peça “Major Bárbara” (Bernard Shaw, 1905) mostra o conflito entre a produção de armamentos feita pelo capitalista Andrew Undershaft e sua filha Bárbara, major no Exército da Salvação. Undershaft defende que a paz é mantida pelo poder das armas e que a prosperidade de uma nação está diretamente ligada ao comércio de equipamentos de guerra. Já Bárbara acredita na salvação das almas por meio de atos de caridade e rejeita os métodos e princípios do pai, vendo a produção e comércio de armas como algo imoral. Shaw desmonta os princípios moralistas da Bárbara e faz um grande elogio ao capitalismo produtivo no mesmo nível do Manifesto Comunista (Marx, Engels, 1872).
“Mãe Coragem e seus filhos” (Bertolt Brecht, 1941) retrata a guerra do lado dos pequenos empreendedores. Mãe Coragem ganha a vida vendendo provisões para os exércitos em conflito, durante a Guerra de Trinta Anos (1618-1648), demonstrando que, numa guerra, pode ter oportunidades de negócio para todos. Brecht, entretanto, ficou muito insatisfeito com a reação do público. Apesar do alto preço que Mãe Coragem paga pelo seu empreendedorismo, o público continua torcendo para que seu negócio dê certo.
No filme “Deuses Malditos” (Luchino Visconti, 1969), a relação entre guerra, poder e comércio é explorada dentro da ascensão nazista. Narra o complicado apoio de uma rica família industrial alemã, os von Essenbeck, cujo império está ligado à produção de aço e, conseqüentemente, à indústria bélica, ao regime de Hitler. Visconti mostra como a guerra e o fascismo são sustentados por interesses econômicos, revelando como as elites industriais participaram da montagem da guerra em troca de poder e lucro. Mostra ainda a luta entre o velho nazismo (as SA, de Ernest Röhm, que quer deixar de ser tropa de choque para se transformar em exército, pressionando os von Essenbeck para que lhes forneçam armas pesadas) contra o novo nazismo (as SS, de Heinrich Himmler, subordinadas tecnicamente ao Exército). A chegada das tropas das SS de balsa ao amanhecer no hotel a beira do lago, onde estão hospedadas as SA, é um exemplo perfeito de terror político.
Já no filme “Senhor das Armas” (Andrew Niccol, 2005), essa visão da guerra como comércio atinge uma escala global. Yuri Orlov é um traficante de armas, que se beneficia da instabilidade política e social ao redor do mundo. Para Yuri, a guerra é um mercado como qualquer outro, no qual ele não tem interesse moral ou político, apenas econômico. O filme explora como o tráfico de armas sustenta conflitos em diversas regiões, alimentando a violência em nome do lucro. As cenas iniciais são de um didatismo digno do CPC da UNE: a fabricação de uma bala de fuzil na ex-Tchecoslováquia, sua embalagem e distribuição, até o consumo final na África.
“Jogos do Poder” ( Mike Nichols, 2007) expõe outra face do comércio da guerra: a criação de organismos humanitários para compra de armas. O filme mostra como o congresso dos EUA financiou as guerrilhas no Afeganistão durante a Guerra Fria, fornecendo armas e suporte para combater o avanço soviético. Para os refugiados da guerra é criada uma organização humanitária, que passa a receber fundos parlamentares. Esses fundos são usados para comprar foguetes Stinger, capazes de derrubar os aviões e helicópteros russos. Quando os soviéticos vão embora, a organização humanitária é desmontada e os refugiados abandonados.
Em tempo: 1) Quem morou em Gaza e botou pra quebrar lá foi Sansão (Juízes, 16:30); 2) Durante a perseguição a Bin Laden, os Estados Unidos lançaram mísseis Tomahawk contra seus esconderijos no Afeganistão. Os mísseis que não explodiram, Bin Laden os vendeu para a China para engenharia reversa por 10 milhões de dólares.}
*Luís Carlos Silva Eiras é Jornalista e Escritor