O ditador sírio se viu isolado em sua guerra civil, já que os seus principais aliados também passam por situações adversas, como o Hezbollah, que teve a maioria dos seus líderes mortos por Israel
12-12-2024 às 09h41
Cristiane Helena de Paula Lima Cabral*
O ano de 2024, mesmo quase no fim, continua nos proporcionando grandes emoções. Das eleições americanas à novas incursões de Israel no Irã e no Líbano, as questões internacionais não param de nos surpreender.
E não por menos. Após 13 anos de conflito, que provocou a morte de mais de 580 mil pessoas, o regime de Bashar al-Assad (que estava há 25 anos no poder), na Síria, não resistiu à pressão e força dos rebeldes que conseguiram controlar regiões estratégicas, como a cidade de Alepo, uma das maiores da Síria, e não viu dificuldades para que, nos últimos dias, chegassem a Damasco e provocassem a queda de al-Assad, que fugiu para a Rússia, juntamente com os seus familiares, onde conseguiu asilo.
O ditador sírio se viu isolado em sua guerra civil, já que os seus principais aliados também passam por situações adversas, como o Hezbollah, que teve a maioria dos seus líderes mortos por Israel, ou a Rússia, preocupada com o conflito com a Ucrânia e ansiando por um desfecho após a posse de Donald Trump. Vemos também o Irã, que se envolveu no conflito Israel-Hamas-Líbano.
Tudo isso permitiu que o regime se enfraquecesse, e o seu exército, já desmotivado, não conseguiu oferecer grandes resistências.
A queda foi celebrada em grandes partes do mundo pelos sírios, que se refugiaram quando do início da escala de violência. São mais de 13,8 milhões de indivíduos deslocados em países como Brasil, Turquia, França, Alemanha, por exemplo, e que se viram vingados e aliviados com o fim do ditador que utilizava armas químicas contra o seu povo.
Mas até que ponto é possível comemorar a queda de Bashar al-Saad? Ainda não se sabe como será a transição do poder e qual a linha adotada pelos rebeldes. A Organização para a Libertação do Levante – sigla traduzida de HTS – é um grupo que já esteve ligado com a Al Qaeda e é classificada como terrorista pela ONU e pelos países do Ocidente. Apesar disso, já disseram que pretendem fazer uma transição democrática e que irão respeitar a diversidade e pluralidade.
Para além desses pontos, há a fragmentação política interna, pois a Síria possui regiões controladas por grupos específicos, como, por exemplo, Exército Nacional Sírio e outros grupos moderados, e os curdos, que ocupam grande parte do norte da Síria, região que contém petróleo.
Sendo assim, ainda é nebuloso como será essa transição e quem irá, efetivamente, governar o Estado Sírio.
Enquanto isso, alguns países na região começam a se mover para evitar a ampliação da instabilidade política para os seus territórios, como Israel, que deve concretizar a sua tomada do território da Colina de Golã, ultrapassando a zona desmilitarizada, inserindo-se no Monte Hérmon. O país israelense também bombardeou depósitos de armas químicas em Damasco com a justificativa de que elas poderiam “cair em mãos erradas”.
O Iraque estuda fazer uma intervenção na Síria, pois teme que os grupos radicais (islamitas e sunitas) possam assumir o governo, e, por terem relação com o Estado Islâmico e Al Qaeda, queiram também invadir o país iraquiano.
O futuro da geopolítica na região, que já é extremamente complexa, é uma incógnita. Existem mais perguntas do que respostas, especialmente pelo enquadramento do grupo HTS pela sociedade internacional como terrorista. Mas, antes de tudo, é preciso pensar em um novo governo em que haja o devido respeito às mulheres, minorias e os indivíduos que professam outras religiões.
Resta-nos aguardar o destrinchar de toda essa problemática e torcer para que não haja a instituição de um novo regime até mesmo mais violento que o anterior.
*Cristiane Helena de Paula Lima Cabral é Doutora em Direito Público Internacional pela PUC/MG. Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa-PT. Professora. Servidora do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Professora Universitária.