Teria chegado ao fim a força econômica da Alemanha, ficando para trás nessa guerra modernizadora alavancada pelo Oriente – notadamente China e Coréia – e deixando-a pior posicionada
05-12-2024 às 08h57
Rogério Reis Devisate*
A economia global é pura política. Tudo é complexo e gigantesco, diante volume de mercadorias e das somas em jogo. Mesmo sem ingressar em conceitos teóricos, fica fácil perceber que estão entrelaçadas a economia internacional e a política entre as nações.
Hoje o mundo está dividido entre Ocidente e Oriente. De um lado seguem a China, a Coréia e a Rússia e, do outro, os EUA. Travam particular jogo nessa balança global, uns ascendendo e outros tentando não perder espaço. Em meio a isso, a Europa, que saiu destroçada após a Segunda Guerra Mundial, organizou-se na Comunidade Econômica Europeia e tem na Alemanha o seu motor, respondendo por quase 1/3 (um terço) da produção industrial do continente.
Contudo, já há significativa ansiedade no industrializado Sul da Alemanha, sede de potências industriais, sendo Baden-Württemberg o estado alemão responsável pelas maiores exportações em 2023, onde estão empresas como Mercedes e Bosch. Nesta semana, trabalhadores fizeram forte pressão sobre a Volkswagen, que cogita fechar fábricas – algo que não ocorria há 80 anos – enquanto paralisações afetam nove das suas unidades produtoras. Além disso, recuperar-se-á da perda do barato gás russo, em decorrência da guerra na Ucrânia, bem como do erodir da União Europeia diante da saída do Reino Unido do Brexit? Teria chegado ao fim a força econômica da Alemanha, ficando para trás nessa guerra modernizadora alavancada pelo Oriente – notadamente China e Coréia – e deixando-a pior posicionada como “a” grande exportadora, inclusive, talvez, por ter a China passado de sua compradora à concorrente?
Isso tudo abala a nossa atenção, quando, curiosamente, focávamos nas questões econômicas e políticas dos EUA e da China e Rússia, enquanto devemos acender os nossos holofotes para a Alemanha e perceber que a sua situação possa ser a que mais venha causar abalos na ordem econômica e política global, já que se aproximam as eleições marcadas para fevereiro de 2025 em meio ao esfriamento da sua força produtora na Europa. Numa metáfora: sem a sua força propulsora os vagões não se moverão sozinhos. Esse panorama, com a diminuição dos seus cofres, interferirá, por exemplo, em recursos destinados a parceiros europeus e à Ucrânia, fazendo com que a Europa sinta esses efeitos.
Qual o possível concreto cenário interno e externo, dessas complexas questões? Nem bola de cristal poderia revelar o cenário, claramente, mas é crível que ficar para trás na corrida das novas tecnologias, aliada à rápida ascensão da China e o desaguar dos seus produtos em todos os mercados, além de dificuldades com preços e acesso a fontes de energia, não lhe deixa em confortáveis condições. Ademais, ainda há o iminente retorno de Donald Trump, que já questionou a movimentação em torno do BRICS para concorrer com moeda ante o Dólar americano, levando-o, já, mesmo antes de assumir, a subir o tom e ameaçar impor aumento em tarifas de importações e de até 100% para os produtos dos países que integram o BRICS – o que inclui, também, o Brasil! – o que pode impactar a exportação dos produtos produzidos na Alemanha.
A história registra que, por se sentir acuada economicamente, a Alemanha se envolveu nas duas maiores guerras globais: a 1ª Guerra Mundial e na 2ª Guerra Mundial. Agora, mais uma vez, se vê sob pressão.
Comprimida no jogo entre atores do Ocidente e do Oriente, parece perceber que seu peso começa a diminuir no cenário global e, se isso gerar forte desemprego, desestabilizar a vida financeira e abalar a estabilidade política, talvez revivamos o crescimento ou surgimento de movimentos que, de algum modo, guardem semelhança com aqueles com caráter nacionalista e que, em fins do Século 19, vimos prosperar na Alemanha e em outras nações, temperados por questões econômicas e políticas, envolvendo sentimentos de vantagem ou perda sobre antigas colônias, coincidentemente na época em que se iniciava a política de alianças, envolvendo Alemanha, Áustria e outros, de um lado, enquanto Reino Unido, França e Rússia se uniam no canto oposto do ringue.
Bom é relembrar que, derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha foi subjugada e submetida ao Tratado de Versalhes, que lhe impôs a responsabilidade por duras indenizações de guerra, levando-a à grave crise econômica, com grande inflação e desemprego, o que foi prato feito para os movimentos que desaguaram no Nazismo e na 2ª Guerra Mundial.
As questões de economia e política global não se resumem a dois ou três atores. As redes do fluxo do capital e das intrincadas cadeias produtivas globalizadas movimentam forças poderosas.
Como se comportarão a Alemanha e a Europa com as suas conomias sucumbindo ante o capital internacional e à força das moedas e dos mercados globais dos EUA e da China e Rússia? Com grande população e, portanto, com mão de obra farta, a China poderia mais suprir a produção que venha a diminuir nos complexos industriais alemães – e europeus – e, assim, agravar sobremaneira o desemprego dos europeus em seu continente?
Vimos tempo em que europeus migraram para o Novo Mundo e talvez vejamos nova era de migrações em massa de europeus que não se sustentem ante os que chegam de outros países e do contingente dos seus próprios nativos. A questão é menos de ideologia e de política ideológica do que de pragmatismo. A realidade impõe o seu peso, cobra a sua conta e não é fiel a nenhuma corrente de pensamento. A fome e o desemprego são fatores pesados em qualquer família e sociedade, bem capazes de orientar ou decidir o rumo de grupos, povos e nações, como, aliás, bem demonstrou a Revolução Francesa.
Que nesse gambito entre Ocidente e Oriente, com a Alemanha e a Europa no meio, o mundo não se deslize na fácil armadilha de uma nova guerra quente em escala global.
E, diante disso tudo, que nós possamos nos posicionar e atuar de modo estratégico e vitorioso, ganhando novos espaços ou, ao menos, não perdendo os que temos. Toda atenção é pouca.
*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.