Voltando à sinfonia dos sabiás, desde que papai se foi para outra morada, o canto anda escasso por aqui. Raramente aparece um sabiá para dar o ar da sua graça
15-11-2024 às 11h21
Gisele Bicalho*
Em um domingo perdido no tempo da delicadeza, uma sinfonia vinda da mangueira do quintal chamou a atenção do velho Osvaldo. Sábio como poucos, Papai nos surpreendeu à mesa do almoço com um verdadeiro tratado sobre o sabiá.
Ele tá cantando: “Sinhô, sinhô, quero chuva!!” É sempre assim quando o tempo tá desse jeito, comentou o velho sábio, emendando logo com uma pergunta que ele mesmo se encarregou de responder:
Vocês sabiam que há dois tipos de sabiás? O laranjeira e o barranqueiro. O que diferencia um do outro é a cor do peito e o habitat. O peito do laranjeira é roxo. Vive nos pomares. O barranqueiro é pardo e prefere as matas. Mas, tá tudo mudado. Não vou estranhar se qualquer dia desses a gente encontrar o barranqueiro em algum pé de fruta.
E aí veio uma enxurrada de perguntas. Uma atrás da outra. Um dos meus irmãos, o Beto, discípulo do velho mestre e como tal, conhecedor das coisas da natureza, só espiava e ria com o canto da boca. E lá veio mais informação:
Essa cantoria aumenta quando a fêmea tá chocando. Êta passarinho ciumento! Nunca sai de perto e fica o tempo todo rodeando a fêmea.
Eu, na minha ignorância mezzo roceira, mezzo urbana, passei a matutar: num é que a cantoria do sabiá é bonita mesmo? Certamente foi esse canto a fonte de inspiração de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, autores da canção Sabiá:
“A todo mundo eu dou psiu, psiu,
Perguntando por meu bem, psiu.
Tendo um coração vazio, psiu,
Vivo assim a dar psiu
Sabiá vem cá também
Tu que andas pelo mundo, Sabiá,
Tu que tanto já voou, sabiá,
Tu que fala aos passarinhos, sabiá,
Alivia a minha dor, sabiá.
Tem pena d´eu, sabiá.
Diz por favor, sabiá
Tu que anda no mundo, sabiá.
Onde anda meu amor, sabiá.”
Coisa mais linda! Amo essa canção. Tem também a da Roberta Miranda. Papai adorava. Sempre pedia:
“Fia, põe aquela da Roberta Miranda”:
“Ah, tô indo agora
Pra um lugar todinho meu
Quero uma rede preguiçosa pra deitar
Em minha volta sinfonia de pardais
Cantando para a majestade, o Sabiá,
A majestade, o Sabiá.”
Pensando bem, o sabiá também inspirou “Saudades do Jeca”, “Saudades da minha terra” e mais uma infinidade de canções e de causos.
Voltando à sinfonia dos sabiás, desde que papai se foi para outra morada, o canto anda escasso por aqui. Raramente aparece um sabiá para dar o ar da sua graça. Esse sumiço teria a ver com as mudanças climáticas? Ah, vai saber, né? Deixa pra lá. Também pra que música se a gente não tem mais com quem bailar pelo quintal? Se tinha sinfonia de sabiás o salão de baile se abria debaixo da mangueira como num passe de mágica. Espaço para que o Velho Osvaldo exibisse todos os passos de dança aprendidos na mocidade. E como dançava bem o danadinho! E de tímido não tinha nada. Adorava se exibir e ouvir os elogios.
Esse daí sabe tudo. Como dança bem! Parece que nasceu pra isso. Um Fred Astaire dos grotões das Minas Gerais.
“I’m singin’ in the rain (..)”
Ainda há pouco ouvi um canto parecido com o de um sabiá. Pode até ser. Tá com jeito de chuva. Tô sentindo o cheiro.
Uai! Chuva tem cheiro?
Tem cheiro, sim. Mas isso já é prosa pra outra hora.
Indo. Fiquem bem. Até mais ver.
*Gisele Bicalho é jornalista