Uma multidão de gente, acompanhada de malas vazias para carregar muitos livros: o Anhembi parecia saguão de aeroporto em véspera de feriado.
A 27ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo encerrou-se no dia 19. Aberta com a presença do presidente Lula no dia 06, que aproveitou para promulgar a Política Nacional de Leitura e Escrita (PNLE), a feira se tornou uma das maiores do mundo, distinta em sua concepção das chamadas Feiras Literárias (Fli’s), eventos voltados para um público mais elitizado e idoso, proveniente da zona sul das grandes cidades.
Uma profusão de editoras, autores, debates e oficinas reuniu mais de 722 mil visitantes, a maioria composta por jovens entre 12 e 25 anos de idade, segundo minha percepção. Uma multidão de gente, acompanhada de malas vazias para carregar muitos livros: o Anhembi parecia saguão de aeroporto em véspera de feriado.
Muitos buscavam obras de fantasia e romances adolescentes. Nada contra esses gêneros, pelo contrário: acredito que possuam uma dignidade própria, que lhes permite ser mais do que “uma porta de entrada para o mundo da leitura”, como sugerem alguns. Esses jovens, muitos vestidos como seus personagens preferidos, idolatravam autores como se fossem Taylor Swift, tiravam fotos abraçados a totens de livros de Machado de Assis como se estivessem diante da Torre Eiffel e perdiam-se pelos corredores da feira, flanando como se estivessem no Grande Bazar. Há esperança, enfim.
Um segundo tipo de público chamou minha atenção: autores em busca de quem os publicasse, que encontravam a devida contrapartida em pequenas editoras com cartazes dizendo: “Publique seu livro”. Quantos desses autores se tornarão suficientemente bem-sucedidos algum dia a ponto de serem citados em uma coluna como esta? Fico imaginando se quem teria razão era Andy Warhol (que afirmou que “no futuro, todos serão mundialmente famosos por 15 minutos”) ou Mário de Andrade (que disse que “todo escritor acredita na valia do que escreve. Se mostra é por vaidade. Se não mostra, é por vaidade também”).
Um passo importante para permitir que qualquer leitor se tornasse autor (e Gabriel Zaid já alertava em seu Livros Demais, de 2004, que caminhamos para haver no mundo mais autores do que leitores) foi dado em 2007, pela Amazon, com o lançamento do KDP, Kindle Direct Publishing, plataforma que tinha seu estande na Bienal. A Amazon, aliás, também possuía outro estande dedicado à venda de seu dispositivo de leitura Kindle, abrangendo assim os dois extremos da cadeia do livro. No entanto, sem o trabalho do distribuidor, do editor e de outros profissionais, essas publicações serão esquecidas pelo algoritmo, e apenas uma avó e meia dúzia de amigos irão adquiri-las (e ainda menos gente irá lê-las).
É claro que há exceções bem-sucedidas de pessoas que se auto publicam, mas elas existem para confirmar a regra. É o caso de Júnior Rostirola, autor da série Café com Deus Pai, que resolveu criar sua própria editora para comercializar seus próprios livros para um público mais amplo do que o alcançado pelas editoras evangélicas tradicionais. Como disse, é uma exceção que confirma a regra: longe do modelo self-publishing da Amazon, é dos empreendimentos do setor mais bem orientados mercadologicamente. Sua editora, a Velos, tinha um dos estandes mais performáticos e bem-montados da Bienal (e, pelo tamanho de seu público, também deve ter sido uma das campeãs de venda).
Existem cada vez mais boas assessorias para ajudar a publicar um livro, e penso aqui em Luiz Antônio de Assis Brasil (autor de Escrever ficção: Um manual de criação literária) e de Lilian Cardoso (autora de O livro secreto do escritor). Lilian também é a CEO de uma agência especializada em marketing de livros e apresentadora do podcast EscritorPod, disponível no Spotify (o primeiro episódio foi gravado comigo, Davi Lago, coautor de alguns de meus livros, e André Fonseca, editor do grupo Citadel), mas atender a autores inéditos é um mercado ainda mal suprido no Brasil. Falta-lhe um dos principais players, o agente literário, um profissional independente que auxilia o autor, sugerindo-lhe alterações para tornar o livro vendável e buscando editoras adequadas para a obra. Há ainda um longo caminho entre a cabeça do autor e os olhos do leitor. Ou seus ouvidos.
*Marcelo Galuppo é doutor em Filosofia do Direito e professor da PUC Minas e da UFMG. Ele é autor, dentre outros, de #Um dia sem reclamar, de 2020, #Um dia sem odiar, de 2024, ambos em coautoria com Davi Lago, e Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, de 2024, todos pela Editora Citadel.