Bacia do Rio São Francisco em Minas Gerais - créditos: divulgação
27-12-2025 às 09h00
Soelson B. Araújo*
Em 2025, Minas Gerais completa 26 anos da Política Estadual de Recursos Hídricos e do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SEGRH), instituídos pela Lei nº 13.199/1999. Trata-se de um marco relevante na consolidação de um modelo moderno de gestão das águas, pautado na descentralização, na participação social e no planejamento por bacias hidrográficas, sob a coordenação do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Ao longo desse período, foram criados 34 Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), abrangendo 36 circunscrições hidrográficas, além da construção de instrumentos estratégicos como o Plano Estadual de Recursos Hídricos (Perh).
Do ponto de vista institucional, os avanços são inegáveis. Minas Gerais apresenta um dos mais elevados índices de implementação do Perh no país, com cerca de 60% das ações executadas, resultado de sucessivas revisões, da ampliação da regularização de usos da água, do monitoramento da qualidade hídrica e do fortalecimento dos mecanismos de fiscalização. Somente em 2023, foram emitidas milhares de outorgas e cadastros de usos insignificantes, evidenciando um esforço contínuo de ordenamento e democratização do acesso à água.
Entretanto, ao se confrontar esse arcabouço institucional com a realidade vivida por amplas regiões do estado, emerge uma contradição estrutural. Minas Gerais, reconhecida nacionalmente como a “Caixa d’água potável do Brasil”, por abrigar as nascentes de grandes bacias hidrográficas estratégicas, convive há décadas com crises recorrentes de escassez hídrica, especialmente no Norte de Minas, Jequitinhonha, Mucuri e em porções do Centro-Oeste e da Região Metropolitana. Em muitos municípios, a falta de água deixou de ser um evento excepcional e passou a integrar a normalidade do cotidiano, revelando limites claros entre planejamento formal e efetividade territorial das políticas públicas.
Nesse contexto, os Comitês de Bacias Hidrográficas, embora legalmente constituídos e reconhecidos como pilares da gestão participativa, enfrentam dificuldades históricas para cumprir plenamente seu papel. Fragilidades técnicas, limitações orçamentárias, baixa capacidade deliberativa e descontinuidade política têm reduzido sua atuação a espaços burocráticos, muitas vezes distantes da realidade concreta das bacias. O resultado é que decisões estratégicas deixam de produzir efeitos duradouros e ações estruturantes são substituídas por medidas emergenciais e fragmentadas.
Diante desse cenário, torna-se necessário qualificar e reforçar a governança hídrica, especialmente em um contexto de mudanças climáticas, aumento da variabilidade hidrológica e intensificação de eventos extremos. Nesse sentido, propõe-se uma participação mais efetiva da Marinha do Brasil, enquanto instituição de Estado com reconhecida capacidade técnica, logística e organizacional, no apoio ao funcionamento dos Comitês de Bacias e à implementação das deliberações do SEGRH. Sua atuação poderia contribuir para o monitoramento estratégico, a integração interinstitucional, o fortalecimento da disciplina administrativa e a continuidade das ações, mitigando a desarticulação causada por ciclos políticos curtos.
Além disso, é urgente que as políticas de recuperação, proteção e revitalização de nascentes, especialmente aquelas que alimentam bacias de interesse nacional, deixem de ser iniciativas pontuais e passem a constituir políticas de Estado de longo prazo, com financiamento estável, metas verificáveis, fiscalização rigorosa e participação ativa das comunidades locais. Sem garantir a vitalidade das nascentes, não há plano, outorga ou comitê capaz de assegurar segurança hídrica.
Assim, ao celebrar 26 anos de uma política pública estruturante, Minas Gerais é chamada a ir além da comemoração institucional e enfrentar, com coragem e inovação, o desafio de transformar avanços normativos em água disponível, limpa e abundante no território. A segurança hídrica de Minas e do Brasil depende da capacidade de alinhar planejamento, governança forte e ações contínuas que respeitem o tempo da água, da natureza e das futuras gerações.
*Soelson B. Araújo é empresário, jornalista e escritor

