31-12-2024 às 11h11
José Luiz Borges Horta*
Dizia um sábio que o mineiro na diáspora assume-se e a Minas com maior radicalidade; o que só em crise se revela é que a diáspora profunda dos mineiros não se dá no deslocamento físico do sagrado solo de Minas, mas na “desubicação” (para usar um castelhanismo) rumo à própria alma do mineiro. Desnorteado no espaço e no tempo, o mineiro mergulha em si, em busca de suas próprias raízes e asas, e só então pode contemplar seu verdadeiro Eu.
Tudo em Minas evoca o triângulo originário dos Inconfidentes, branco no sonho de Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel, e pleno de paixão na Bandeira da Liberdade, que a voz de Tancredo imortalizou como o outro nome de Minas — na ideação sempre sábia de Mauro Santayanna. Parece que Minas, na busca do ouro e do diamante que afinal viabilizariam o projeto moderno, assumiu para si a tarefa radical de se embrenhar no “ninho das contradições” da realidade, que tanta agonia traz aos ilustrados e kantianos, para “negar e conservar” tanto o real quanto o ideal — o real da dureza do metal fundido desde sempre com o barro, a terra, a rocha das profundezas, e o ideal do sonho do brilho eterno da perfeição geométrica das formas — e afinal “elevar” ambos a um plano superior de vida política e simbólica.
Isaiah Berlin, em suas Raízes do Romantismo, nos remete às quatro revoluções que caracterizam a Modernidade — e a ele assiste grande razão. De fato, a revolução religiosa (a Reforma, que inventa o indivíduo), a revolução socioeconômica (leninista, que reinventa o Estado) e a revolução política (francesa, que consagra o cidadão) se irmanam e se (retro)alimentam da revolução cultural causada pela irrupção do Romantismo. E a Revolução Romântica, como a postula Berlin, é ao mesmo tempo o triunfo do gênio e o ocaso do Entendimento: a enorme revolução na consciência humana provocada pelo deleite secreto de uma alma brincando consigo mesma.
Assim romântico é o mineiro, assim romântica é Minas, assim românticas são as montanhas de Minas — e Minas são muitas, como vastas seriam as Gerais sempre evocadas pelos Mineiros que cultivam na alma o espírito sertanejo que caracteriza o brasileiro que vive para além das praias deslumbrantes que a Costa Atlântica nos oferece.
Minas, o estado-síntese da Federação brasileira, que reúne em si cada espaço e cada tempo do Brasil; Minas, o brado ensandecido de Liberdade que não se cala diante das maiores lendas ou das menores iniquidades; Minas sempre altiva, altaneira e alterosa na briosa batalha por todas as liberdades que somente a democracia soberana poderá ofertar; Minas, o celeiro das ideias e do mais humano, comprometida desde o veio originário com o fio da meada de um Brasil brasileiro; Minas, esse celeiro habitado por raposas políticas que, caladas, fazem do silêncio o eco profundo dos valores do Estado de Direito; Minas, a pátria da pátria, onde a contradição e a luta — a luta pela vida e a vida de luta — encontram seu ponto elevado no topo do triângulo; Minas, que não se rende às circunstâncias mais simples nem mais elementares, mas busca sempre ultrapassá-las, como provado no revolucionário governo do Presidente Itamar Franco, que conclui memoráveis 30 (trinta) anos em fins de 2024.
Há mineiros que deixam Minas para tentar deixar de ser mineiros, como há mineiros que se lançam de si para buscar modos de libertar a consciência para a vida além-montanha ou transmontana; do mesmo modo, há mineiros nascidos ali, no meio do oceano, como Itamar Augusto, ou à beira-mar com a aguda voz de tenor de Milton Nascimento, aos quais não resta outro caminho senão o consagrado caminho da roça, que os traga de volta para o aconchego e os torne símbolos da mais profunda mineiridade.
Que os mineiros e mineiras se recordem de si e dos valores fundantes da nossa romântica devoção à liberdade e à democracia, se reconciliem consigo mesmos e com a Mineiridade, para que possamos oferecer ao Brasil, novamente, a alegria e o orgulho de não desistirmos nunca.
* José Luiz Borges Horta, 53, é Professor Titular de Teoria do Estado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. É mineiro de Belo Horizonte, itamarista há três décadas, barítono recém-assumido e estudioso da Dialética Especulativa. Professor Visitante na Universitat de Barcelona, é membro da Sociedade Hegel Brasileira e do Centro de Excelência Jean Monnet em Estudos Europeus. Contato: zeluiz@ufmg.br