Câmara dos Deputados cria Comissão Especial para discutir criação do Voto Distrital - créditos: divulgação
12-11-2025 às 09h08
Soelson B. Araújo
Às vésperas das eleições de 2026, o Brasil volta a debater a necessidade de reformar seu sistema eleitoral. Entre as propostas analisadas, o voto distrital misto se destaca como alternativa sólida para corrigir distorções históricas na representação política, fortalecer o vínculo entre eleitor e eleito e reduzir desigualdades regionais profundas — como as enfrentadas pelo Vale do Jequitinhonha e por tantas outras regiões negligenciadas do país.
O sistema atual, proporcional com lista aberta, transforma a política em uma disputa de popularidade e visibilidade financeira. Candidatos com maior acesso à mídia e recursos tendem a vencer, independentemente da ligação real com os problemas locais. O resultado é um Parlamento desconectado das comunidades, onde a representatividade se dissolve em interesses difusos e em lógicas partidárias centralizadas. Nesse cenário, regiões periféricas e historicamente marginalizadas — como o Vale — sofrem com falta de voz, baixa influência institucional e perpetuação da desigualdade.
Com o voto distrital misto essa realidade muda, ao combinar duas formas de escolha:
Metade dos representantes é eleita por distritos, onde cada região elege um representante direto.
A outra metade é escolhida por voto proporcional em listas partidárias, garantindo pluralidade e representação de ideias.
Essa combinação equilibra território e ideologia, proximidade e diversidade, resultando em uma democracia mais próxima e funcional.
A representação territorial passa a ser real. Cada distrito passa a ter um deputado que vive, conhece e responde pelos problemas da região. Isso fortalece o vínculo político e cria uma cadeia direta de responsabilidade.
A população deixa de ser apenas um número estatístico dentro de um colégio eleitoral imenso e passa a ter um nome, um rosto e um interlocutor político legítimo.
Com o advento do voto distrital as campanhas se tornam locais, reduzindo a dependência de grandes financiadores e diminuindo a influência econômica sobre o resultado. Isso democratiza o acesso à política e abre espaço para lideranças comunitárias e regionais, comprometidas com causas reais, não com marqueteiros ou patrocinadores ocultos.
Quando ocorrer o voto distrital: uma região como o Vale do Jequitinhonha passa a ter representantes legitimados pelo voto distrital, suas demandas deixam de ser invisíveis e o desenvolvimento regional uma bandeira permanente do deputado eleito.
Projetos estruturantes — como infraestrutura logística, estímulo à indústria artesanal e mineral, investimentos em educação e políticas de desenvolvimento social — tornam-se prioridade política e orçamentária.
Em vez de depender da boa vontade eventual de governos centrais, o Vale ganha porta-vozes permanentes, comprometidos com a transformação do território e acompanhados de perto pelos eleitores que conhecem suas trajetórias.
A Transparência e Controle Social com o distrito definido, a população sabe exatamente quem cobrar. O mandato deixa de ser abstrato.
Há pertencimento, responsabilidade e prestação de contas. A política volta a ser um espaço de confiança e de proximidade.
A uma semana atrás o debate sobre o voto distrital teve início no Congresso Nacional. O tema voltou à pauta com força. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou a criação de uma comissão especial para discutir a implantação do sistema distrital misto, retomando o Projeto de Lei 9212/17, de autoria do ex-senador José Serra, já aprovado pelo Senado.
Segundo Motta, “a Câmara precisa avançar na modernização do sistema eleitoral, aproximando o político do cidadão e barateando o custo das campanhas”. Ele defende que o novo modelo não poderia ser aplicado já em 2026, por conta da regra da anualidade, mas considera viável sua adoção nas eleições de 2030.
O relator da proposta, deputado Domingos Neto (PSD-CE), tem sido um dos principais articuladores da matéria. Em suas declarações, ele afirma que o voto distrital misto fortalece os partidos e reduz o peso do poder econômico, ao mesmo tempo em que dificulta a infiltração do crime organizado na política, já que distritos menores permitem maior fiscalização social.
Domingos Neto também destacou que o sistema “dá vantagem a quem tem base política verdadeira, quem presta serviço e conhece sua comunidade”, reforçando que o modelo pode ser um divisor de águas na qualidade da representação brasileira.
A expectativa é que a proposta seja votada ainda em 2025, com possibilidade de tramitação em regime de urgência, caso haja acordo entre as lideranças partidárias.
Esta é uma reforma que corrige desigualdades: o Brasil carrega desigualdades territoriais profundas: enquanto alguns centros acumulam investimentos, regiões inteiras são esquecidas. O Vale do Jequitinhonha é símbolo vivo dessa injustiça histórica — terra rica em cultura, terras raras, trabalho e potencial, mas marcada pela ausência de presença efetiva do Estado.
Adotar o voto distrital misto não é apenas uma mudança técnica no modelo eleitoral.
É uma reparação estrutural.
É reconhecer que desenvolvimento econômico e equilíbrio federativo dependem de representatividade real.
Se queremos um Parlamento que se pareça com o Brasil — um Brasil plural, diverso e profundo — precisamos garantir que cada território tenha voz, influência e poder político.
O voto distrital misto, ainda que tarde, é mais do que uma proposta eleitoral:
é um projeto de justiça histórica, democracia viva e futuro compartilhado.
*Soelson B. Araújo é empresário, jornalista e escritor

