
Steinbeck não suportava olhar de longe - créditos: divulgação
14-10-2025 às 14h24
Mário Lúcio Quintão Soares *
Em 1936, no auge da Grande Depressão, o escritor John Steinbeck abandonou o conforto da sua casa, adotou um nome falso e desapareceu entre os trabalhadores migrantes da Califórnia — para viver a dor que o mundo insistia em ignorar
As famílias que ele encontrou vinham de Oklahoma e Texas, fugindo da poeira, da seca e da fome. Tinham perdido tudo — a terra, os sonhos, a dignidade — e agora dormiam em caminhões enferrujados, perseguidos por um país que os chamava de “problema”. Os jornais ridicularizavam-nos como “Okies”. Os políticos fingiam que não existiam.
Mas Steinbeck não suportava olhar de longe. “Se queres entender a dor de um homem, caminha com ele na lama”, dizia. E assim o fez. Dormiu sob as estrelas, comeu restos, ouviu mães tentando acalmar bebés com canções em vez de comida. Viu crianças escavando lixo à procura de frutas podres.
“Não imaginas o som que a fome tem quando chora”, escreveu. “Ela muda o rosto de um homem.”
À noite, enquanto o acampamento dormia, Steinbeck acendia uma lanterna e escrevia — fragmentos de conversas, rostos, gestos, pedaços de humanidade enterrados na miséria. Dessas anotações nasceu uma das obras mais poderosas do século XX.
John Steinbeck não escreveu sobre o Sonho Americano — ele viveu com aqueles a quem o sonho foi negado. E foi entre a poeira, a fome e o silêncio que descobriu algo que nem a miséria conseguiu matar: a dignidade humana.
Ele não apenas contou uma história — ele devolveu humanidade a quem o mundo tinha esquecido.
*Mário Lúcio Quintão Soares é Mestre e Doutor em Direito pela UFMG