
Rio Amazônia com seus mais de mil afluentes - crédidtos: iStok
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01-05-2025 às 07h17
José Altino Machado (*)
Estou com pés e a emoção na Amazônia. Não serão só estas palavras, aqui compostas e comportadas, com suas intrincadas nervuras, mas também todas as que nem ainda escrevi, nem escreverei no momento em que a vida minha se junta no privilégio do instante. Pensei, destruí, repensei, reescrevi com a responsabilidade de quem vai expor vidas. Não me preocupei em omitir as melhores ou piores experiências e emoções.
Nasci nas Minas onde também ficam as Gerais. Filho de fazendeiro, homem de fé siderúrgica com disposição de militar, e mulher de rompantes, deliciosamente mãe. Sempre neles percebi sutilezas benéficas que vinham do coração limpo de ambos, provido de generosidade, com aberturas largas, na amplitude de seus não poucos conhecimentos. Também lhes observei, algumas vezes, pensamentos de impertinências descabidas.
Com eles aprendi a discrição necessária. Na ribalta ou no campo ao lado de bois. Sempre no silêncio da mata ou ao cerrar os olhos, quando a noite vem com rugidos de metralha e relâmpagos de violência. Pertenço à minha gente e acaricio, agora, a minha sossegada memória. Os filhos, com seus filhos, sempre consistentes e saudosos, congelam-se em mim como amor dadivoso e perene. Para eles, o vinco do sempre.
À mãe e irmãos, ainda que por algumas razões tenhamos discordado, impulsionados talvez pela ânsia de ver atrás de novos morros, ou firmar opiniões, o que nos leva a ver aquilo que está onde não está, ou pior, agarrados que estivemos em estribilhos de machucar a razão, dou-lhes a mão e a singeleza da companhia.
Amei as mulheres que, de alguma forma, escolhi. Permissivo, outras me escolheram, recebendo de mim até tempo maior, o que trouxe muitas eloquentes reclamações. Percorri milhões de quilômetros quadrados de floresta sem fim, molhando, na umidade, cabeça e espírito. Pés no verde, olhares imprescindíveis aos rios maiores.
Vi onças e homens, acampei no hálito do vazio. O rio Amazonas, com seus mais de mil afluentes, foi o quintal de minhas pretensões. Trazia, nos anos em que por lá pousei, na mesinha de cabeceira, apetrechos literários, para os momentos de risonhos fazeres e apetites irreconciliáveis.
O que escrevo resume a vida que vivi: titânica, imprudente, ambiciosa, amorosa, antenada com virtudes e defeitos. Penso em Deus que me permitiu terminar as muitas dezenas de histórias. Penso nos leais companheiros, nos homens aos quais nada confiei. Combinação especialmente duradoura de fantasia e projeção humana.
Voei às instâncias dos céus. Tive nas mãos o melhor ouro, e deitei-me sob os fabulosos céus sobre o garimpo. Às vezes, tudo me pareceu uma passagem descartável do tempo. Na verdade, engrossaram minha saliva existencial, e nem cuspir posso, de tanto que enredado.
Apenas procuro provar o que em mim reside como verdade, o Brasil, lá do alto é um organismo vivo a ser frequentado pelos homens de boa vontade. Os maus, milhares e milhões já estiveram também na Amazônia com seu desassossego, picardia e espaçosa eminência direcionada para o desastre. Alguns se foram, outros terminaram por lá. Ajudaram a natureza, pelo menos com a vida, a adubar o grande chão exaustivamente lavado.
Minha consciência está cerzida por convicções genuínas, nunca de empréstimo, ou atalhadas pela retórica inútil ou frustrante. Não sou de falar o que não faço, nem escrever o que não sei, ou não tenha visto. Tudo que escrevo justifica-se pelo magnífico despertar da descoberta que é não se poder tratar essa região como um lugar qualquer, nem tampouco tê-la para utópicas vontades.
O novo conceito de governo que o Brasil naquela época experimentava, com a obsessão pela transparência e honestidade, além de respeitáveis iniciativas em benefício das causas e direitos de minorias étnicas, poderia, se quisesse, levar para aquela região o imperativo de uma solidariedade abrangente. Isso aposentaria o trote pernóstico dos outros, sempre com corte de reinóis abastados, fiadores repetitivos de uma verdade imprestável.
(*) José Altino Machado é jornalista