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Venda de Terras a Estrangeiros

Venda de Terras a Estrangeiros

Já somos o 5º país que mais vende terras no mundo a estrangeiros e isso não nos deu, propriamente, vantagens. Ainda querem vender mais e, possivelmente, se arriscar criar grave concorrência

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18-11-2023 às 08;58h;

Rogério Reis Devisate*

Parece que o estado de sonolência não acaba e, embora pareçamos dormir o bom e tranquilo sono dos justos, corremos o risco de acordar num pesadelo: ainda tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei PL 2.963/2019, já aprovado no Senado Federal, que pretende modificar a atual legislação que regula – e limita – a venda de terras a estrangeiros, flexibilizando-a e facilitando os negócios.

É curioso notar que o Parlamento deve representar a vontade do povo e este, nas voluntárias manifestações populares, consubstanciadas na Consulta Pública feita no próprio site do Senado Federal, assim votou a respeito: 6.585 votos contra e 131 a favor.

Portanto, se o resultado da votação do povo foi esmagador e contra a proposta, temos que considerar que, se a pesquisa foi feita para valer, por qual motivo, então, o projeto de lei seguiu tramitando?

Já somos o 5º país que mais vende terras no mundo a estrangeiros e isso não nos deu, propriamente, vantagens. Ainda querem vender mais e, possivelmente, se arriscar criar grave concorrência interna com os atuais produtores já instalados, pois as grandes transnacionais do setor e fundos de investimentos hão de adquirir boas terras rurais e dominar as cadeias produtivas, inclusive precificando os produtos, diante de fenômeno conhecido como Monopsônio – em que o comprador é tão forte que dita os preços ao vendedor.

Em outros tempos, levaram daqui o ouro, para Portugal. Toneladas e toneladas. Isso também ocorreu com os diamantes da Chapada Diamantina e com as demais pedras preciosas, das

Minas Gerais e de várias localidades do Brasil. Do Pau-Brasil às situações modernas, a exploração sempre foi a tônica nas relações bilaterais e multilaterais. Servimos mais do que fomos servidos e aqui só ficou a estatística da produção e a memória.

Todavia, enquanto tivermos a galinha dos ovos de ouro, teremos a possibilidade de vender produtos. A partir do momento em que perdermos o domínio e controle sobre a matriz generosa de tanta fartura e riqueza, ficaremos sem nada. A reflexão é importante, principalmente quando George Bush, ex-presidente dos Estados Unidos, disse que “quando falamos em agricultura, estamos falando de uma questão de segurança nacional”. Essa é a dimensão da questão.

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Imaginamos compreender o mundo, as nações, os países e os seus governos, a votação nas democracias e o funcionamento dos demais sistemas no mundo. Mas, pensemos se realmente entendemos tudo ou se temos algum tipo de dúvida sobre onde está o poder de fato e sobre as forças de influência, a ponto de se perguntar quem governa os governantes? Confiamos plenamente nos jogos de poder, no mundo? O nosso papel individual nos coloca alheios ao tabuleiro global ou nos leva a refletir sobre pensamento do grande filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, que dizia que “Não sabemos o que nos acontece e é exatamente isso o que nos acontece”.

Temos de pensar que os outros países podem ser nacionalistas e expansionistas, do mesmo modo que nós podemos – e devemos – ser. Como anuncia-se que faltará comida e água no mundo, para alimentar tanta gente, a preocupação a respeito deve estar presente em qualquer consideração sobre o tema, inclusive pelo fato de que a humanidade já desequilibrou a natureza e a conta parece estar chegando mais rápido. Se faltar comida e água para todos e migrações gigantescas começarem a ocorrer, como haverá paz no mundo? A Soberania Nacional não está ultrapassada e a segurança alimentar é preocupação global. Por isso, sobre as terras férteis que são objeto de cobiça, instrumentalizar nova versão da acumulação de capitais e de controle de dominação econômica e poder político pode gerar graves e inimagináveis problemas no futuro próximo, já que quem detiver estoques de comida e água deterá o poder!

Os sistemas privados, das empresas transnacionais, são enormemente poderosos, tanto quanto se fossem um tipo de governo sem as amarras de um território, livremente circulando, onde melhor lhe aprouver. Soa oportuno lembrar lição de Churchill, após o acordo firmado entre Hitler e o 1º Ministro britânico Neville Chamberlain, supostamente hábil a fazer cessar a pretensão expansionista alemã: “Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra”. Nisso falamos pela complacência de alguns em ceder o uso e a detenção da “galinha dos ovos de ouro” a terceiros que, se apropriando de vastas terras e das águas, muito cobrarão pelo que realmente significam. Nem tudo pode ser comprado, porque nem tudo pode ser vendido!

E mais: com o volume negociado, como faria o país para retomar essas terras, se necessário fosse? Mais: se os que as obtiveram se negarem a isso e tiverem apoio dos seus governos, como faríamos ante boicotes econômicos ou a apresentação de armas e modernos exércitos em apoio aos estrangeiros adquirentes das terras, que as querem pelo valor que possuem, que é muito superior ao seu preço.

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No Brasil, país com fartura, não se fala em grilagem de águas, mas disso já se cuida no exterior – e já escrevemos a respeito. Mais: a doutrina estrangeira bem demonstra a dimensão da parceria do imenso continente africano com a China, em livros não publicados no Brasil, com títulos que falam sobre corrida pelas ricas terras agrícolas da África.

O alerta não é em vão e, cremos, aumenta em importância quando se sabe que os Estados Unidos, país onde impera a ampla liberdade negocial, recentemente se insurgiu contra a aquisição de (apenas) cerca de 100 hectares por nacionais de outro país. Ora, se apenas pouco mais de 100 hectares ensejaram essa reação, lá, o que dizer da situação nacional? Isto deve nos fazer refletir.

De toda forma, o processo de estrangeirização corresponde à modalidade de invasão – apenas sob o manto de contratos – para o controle do território e sua dominação econômica.

Ser contra ou a favor não pode decorrer de opinião pré-concebida sobre o tema. É preciso que haja reflexão mais ampla, até porque o fato não se resume à aparente mera negociação privada entre o vendedor e o comprador. Além disso, temos muitos casos de grilagem de terras e situações pendentes de regularização fundiária, o que gera um quadro inseguro para os nacionais e, portanto, também, para os estrangeiros, de forma que fica difícil o controle sobre as quantidades de terras envolvidas no contexto – inclusive quando há decisão judicial proferida no Superior Tribunal de Justiça, aplicando as limitações legais para tais negócios com terras, quando figurava empresa brasileira da qual participa estrangeiros com maioria do seu capital ou que resida ou tenham sede no exterior (REsp 1641038-CE). Por aí se vê a dificuldade de controle e os contornos vulneráveis com que se apresenta o quadro, no cenário atual.

Decidir pela ampliação da venda a não nacionais é nos colocar no estado de vulnerabilidade extrema que os livros estrangeiros já atribuem a outros países. Aliás, qual a mensagem que está por trás do interesse estrangeiro? Se querem o que é nosso é porque sabem do seu real valor. Resta saber se temos a obrigação de vender nos moldes da pretendida ampliação constante no projeto de lei em andamento no Congresso Nacional, sem que o tema seja, antes, no mínimo submetido a plebiscito.

Precisamos refletir sobre o que merecemos no futuro e defender os atuais produtores contra a ampliação da aquisição de terras por estrangeiros, do mesmo modo que necessitamos proteger os envolvidos nas cadeias produtivas, o país, a Soberania Nacional e a segurança alimentar do nosso povo... antes que seja tarde demais.

**Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilos e  Gafanhotos: Grilagem e Poder. Co-coordenador da obra Regularização Fundiária.

 

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Relevante a Matéria, Brasileiros devem preservar e explorar as riquezas do país com moderação. Vender não mas arrendar sendo sócio acho que é o caminho

 

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