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As utopias não morrem: breves reflexões de Darcy Ribeiro - créditos: divulgação
16-02-2025 às 09h19
Paulo Roberto Cardoso*
Alice Castelani de Oliveira*
Em 2022, o Brasil comemorou o bicentenário de sua independência, marco simbólico que rememoramos para propor uma reflexão acerca do processo civilizatório brasileiro e os desafios políticos de nosso tempo. Nesse intuído, é natural — ou melhor, obrigatório — resgatar o importante pensamento de Darcy Ribeiro, que dedicou anos de sua vida para pensar o Brasil e a América Latina, desenvolvendo obras que, sobretudo, nos ajudam a compreender melhor a identidade cultural nacional, a construção do Estado-nação e a latinidade. Nesse sentido, suas obras apresentam conceitos básicos para discutirmos a construção de uma civilização nos trópicos, nos provocando a pensar no futuro do Brasil diante dos desafios contemporâneos.
Em uma de suas principais obras, O povo brasileiro, Darcy Ribeiro formula sua utopia chamada de a Roma Negra (latina, miscigenada e sincrética), que seria representada pelo Brasil, a grande promessa da restauração do sonho imperial latino. Dentro dessa formulação, a identidade nacional brasileira é descrita pelo autor como um produto que transcende da assimilação das culturas de negros, índios e lusitanos, argumentando que o processo de miscigenação nacional expressa o potencial para edificação de uma civilização que conduziria a um projeto de superação das desigualdades e opressões. É importante sublinhar que sua utopia de uma civilização nos trópicos nesses termos nada tem de romantização ou ignorância das mazelas sociais que historicamente enfrentamos. Darcy reconhece que a formação da nação brasileira é tanto inovadora e cheia de potência transformadora quanto violenta e sangrenta.
Em sua utopia de uma Roma Negra, observamos alguma convergência com a tese do filósofo russo, Alexandre Kojève, que trata do império dos latinos, argumentando que a união econômica e política das nações latinas representa a solução para a Europa devastada pelo confronto entre os três ocidentes (anglófilo, germânico e eslavo). Essa convergência talvez possa nos apresentar algumas respostas para os impasses geopolíticos que levam neste momento o mundo a beira do armageddon nuclear, expresso no confronto entre Rússia e Ucrânia. Isso porque hoje assistimos uma contenção e esvaziamento da Europa continental frente ao conflito que ocorre no território ucraniano entre dois impérios.
Ainda é relevante enfatizar que recuperar o debate de Darcy, revestido de criatividade e esperança em um Brasil que podia ser (um Brasil em que tínhamos um futuro ), é fundamental diante de um cenário de desesperança marcado pelo fortalecimento de movimentos reacionários em todas as regiões do mundo. Darcy Ribeiro, produtor de saber e não mero reprodutor de conhecimentos normalizados, nos provoca a debater a necessidade elementar das utopias, e recuperar o debate sobre a construção de uma civilização nos tópicos. O que nos parece mais do que necessário diante do atual conturbado cenário político nacional e internacional.
Alice Castelani de Oliveira é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Mestra em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG). Contato: alicecastelani@gmail.com
Paulo Roberto Cardoso é Doutor em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2016), Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009), possui Especialização em Temas Filosóficos pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998), além do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra (2004). Atualmente é servidor do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, membro da Sociedade Hegel do Brasil (SHB), da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Contato: cardosopauloroberto@yahoo.com.br