
Em toda esta mexida, a ideia de universos paralelos é um senhor atrativo ao raciocínio. CRÉDITOS: Reprodução
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28-04-2025 às 09h28
Caetano Cardoso Coutinho*
A ideia de vida depois da morte é um terrível desafio para o homem, para a inteligência e para a razão. Como o homem a aceita? Como o homem a rejeita? Há um meio do caminho em que tudo se perde. É um caminhão de perguntas e dúvidas. As respostas categóricas funcionam e logo, logo, ficam de lado.
Daí há espaço para uma quantidade de hipóteses e de filmes de terror norte-americanos, técnicas perfeitas e morais duvidosas. Espaço para religiões oportunistas e seitas lucrativas.
Em toda esta mexida, a ideia de universos paralelos é um senhor atrativo ao raciocínio. Fica claro quando se trata de sentidos. A visão do céu é uma de determinada posição e outra de outra, isto do mesmo espaço visto.
A visão do céu e das estrelas numa área poluída e de baixa visibilidade é uma e outra é a visão do céu e das estrelas de uma área não poluída e de maior visibilidade. Ainda bem que temos os astrônomos e suas fantásticas aventuras em busca de um melhor local de observação do espaço. Criadores de equipamentos que alimentam a imaginação e esclarecem suposições e teorias.
Os profetas nascem no céu em tempestade de estrelas do deserto. Não há como não ser profeta diante de uma experiência visceral com os astros, só no deserto, só e com um mundão de estrelas caindo sobre sua cabeça, sobre os seus olhos.
A audição no silêncio do deserto é uma promiscuidade de forças sonoras que, na solidão, ativam a sensibilidade e os nervos de cidadãos comuns os tornam deuses e ou, no mínimo, profetas, senhores do mundo.
Caminhe numa área muito movimentada, à beira de uma lagoa, no centro de uma cidade, onde haja uma fonte jorrando. Você vê a fonte, observa a beleza da água subindo 50 metros e caindo como um véu translúcido e colorido.
Volte depois, na madrugada, quando todos os outros sons desaparecem. Agora você ouve o trabalho da tralha elétrica e mecânica que lança a água para cima e ouve também a corrida da água e a sua queda, o desesperado grito de socorro daquelas gotinhas malucas que vivem seu eterno momento de individualidade, como outros seres.
No deserto ou no alto de uma serra, sem nenhuma grande interferência auditiva, você ouve aquela tralha que movimenta os astros e que, acredito, nas ilhas mediterrâneas, levou Pitágoras à matemática, à religião só sua, a dominar o mundo e a alertar os ouvidos para a incrível e majestosa sinfonia do universo. Ele ouviu. O cheiro e o sabor. Há quem sinta pelos cheiros o passado, como Proust, capaz de recuperar todo um tempo perdido.
Há quem sinta pelo cheiro a presença de vivos e mortos, como o cubano Pedro Juan Gutiérrez.
Há quem pelo sabor e pelas misturas capta um mundo e lê almas, como no filme “Água para chocolate”.
Montero Glez afirma que “no que se refere ao desenvolvimento científico, no conto intitulado O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, datado de 1941, Borges se antecipa com lucidez extrema à ideia dos universos paralelos que se multiplicam.
“É curioso comprovar como Borges nos mostra a maneira como duas opções, com uma mesma origem, podem desenvolver-se ao mesmo tempo em torno dessa mesma origem e em um futuro próximo, de tal maneira que duas realidades opostas chegariam a existir de modo simultâneo. Com seu conto, o que Borges consegue é nos mostrar que se pode estar e não estar ao mesmo tempo, tornando ambas as opções, a de estar e a de não estar, em probabilidade cósmica.
“Em O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, Borges anteciparia a incerteza do entorno combinando literatura com a mais prestigiosa forma de conhecimento, isto é, a ciência. Ele consegue isso percorrendo um labirinto temporário, uma composição imaginária na qual é necessário enfrentar várias encruzilhadas ao mesmo tempo. Alternativas que deixam de ser alternativas quando se opta simultaneamente por todas ao mesmo tempo, criando assim diversos tempos que se multiplicam e se bifurcam, pois, como nos diz Borges, todos os desenlaces acontecem e cada um é o ponto de partida de outras bifurcações.
“Com tal ação, aparentemente contraditória, Borges se adianta alguns anos à chamada Interpretação de Muitos Mundos, mais conhecida como a Teoria dos Universos Paralelos, uma hipótese da Física Quântica desenvolvida pelo físico norte-americano Hugh Everett, de 1957 e que, para dar um exemplo, quer dizer que uma mesma partícula pode ser encontrada em uma infinidade de lugares ao mesmo tempo.
“Porque toda vez que ocorre um evento quântico o universo se divide em dois universos paralelos e opostos entre si, de tal modo que, enquanto o evento ocorre em um, o contrário ocorrerá no outro. Com essas coisas, eventos quânticos acontecem e não acontecem ao mesmo tempo, dependendo do grau de sua probabilidade. Por isso é exemplar o conto O Jardim dos Caminhos que Se Bifurcam, cuja leitura é tão perturbadora como enigmática.
“Hugh Everett, ateu convencido da não existência de Deus tanto quanto da existência de universos paralelos, morreu empenhado em demonstrar que, quando morresse, viveria para sempre nos labirintos de outro ramo quântico, já distante de seu corpo inerte. Talvez por causa disso, seu último desejo foi tão bizarro que suas cinzas acabaram na lata de lixo.”
*Caetano Cardoso Coutinho é professor de Literatura Inglesa e suas Respectivas Literaturas da Universidade Patrice Lumumba de Moscou