Enquanto ia andando fui pensando no passarinho e assim fiz uma regressão ao tempo de menino, quando de pés no chão e estilingue no pescoço, era o terror dos passarinhos.
24-12-2024 às 09h06
Bento Batista*
No final da manhã de hoje, vivi uma experiência que considerei sublime.
Subia a Rua Mar de Espanha, rumo à Praça Cairo, no sentido bairro centro, e justamente no ponto onde ela é mais íngreme aconteceu o inusitado.
Enquanto subia a rua, eu ouvia um bem-te-vi agitado, não sei se fêmea ou macho, emitindo som diferente do usual.
Logo percebi a causa. Um filhote havia caído do ninho feito em um galho de sibipiruna e pelo visto e ouvido o pássaro ali estava aflito, pedindo socorro.
O filhote meio atordoado tentava subir os degraus da calçada da rua, mas não tinha força suficiente para alcançar. Vi a cena se repetir duas vezes e me senti no dever de ajudar o passarinho a subir o degrau.
Aproximei-me, e na terceira tentativa dele, ajudei-o a alcançar a parte de cima do degrau. Mas ele se agarrou ao meu dedo indicador com força. Senti as unhas firmarem no meu dedo, como se eu fosse da intimidade dele.
Com o passarinho no dedo, vi a mãe em desespero, emitindo o que considerei ser “gritos de socorro”.
Por um momento achei que ela – disse ela porque tudo indicava ser a mãe do filhote – como acontece com “galinha choca” podia vir para cima de mim na base da bicada, achando que ia fazer algum mal ao bichinho.
Vi que não tinha a menor chance de alcançar um dos galhos da sibipiruna e então optei por deixar o filhote no chão mesmo, mas em lugar mais seguro.
Segui em frente. Enquanto ia andando fui pensando no passarinho e assim fiz uma regressão ao tempo de menino, quando de pés no chão e estilingue no pescoço, era o terror dos passarinhos. Lembrei-me de muitos abatidos. Mas já me sinto perdoado há muito tempo.
Mas também me recordei dos quase quatro anos passados em Grão Mogol, onde alimentei bandos e mais bandos de passarinhos com mamão, banana, maçã, abacate e até laranja.
Alimentei também beija-flores. Todo dia enchia potinhos com água filtrada e açucarada (açúcar cristal).
Teve uma vez que um beija-flor por descuido entrou no quarto e não conseguia sair. Peguei-o com um pano e o soltei lá fora. Ele, agradecido, retornou e me “escaneou” da cabeça aos pés, de frente e de trás.
Foi uma experiência arrepiante. Em seguida, ele veio à minha mão e sugou água doce. Um tanto escorreu por entre os dedos e seguiu escorrendo pelo antebraço, ao que o beija-flor não deixou escapar sequer uma gota. Sugou tudo.
Enquanto ele sugava a água doce a escorrer pelo meu antebraço, eu sentia a sutileza do seu bico enorme fazendo cosquinha na flor de minha pele.
Senti-me um privilegiado. Essa mesma sensação me ocorreu, hoje, ao tentar o resgate do filhote de bem-te-vi caído do ninho. Sem dúvida, foi sublime a sensação.
*Jornalista e escritor