Walker se fazia acompanhar de Lucrécia, sua cara-metade, e na prainha do rio estavam estirados sobre uma pedra quando o olhar dele fixou-se em uma formiga aflita.
07-12-2024 às 18h18
Bento Batista*
Serviço de Meteorologia anunciou “tempo bom”, mas, às margens do Rio Verde Grande, a 15 quilômetros do Centro de Montes Claros, no Norte de Minas, o céu estava parcialmente coberto de nuvens do tipo nimbostratus. Mesmo assim valia a pena estar ali naquela prainha, do rio cheio de mistérios e estórias as mais criveis.
O lugar é agradável, gostoso para quem quer passar o dia inteirinho ouvindo o som orquestrado pelo rolar das águas, somado ao bulício das folhas das árvores tocadas pelos ventos.
Na noite anterior, Walker não dormira como convinha. Alguém carente de civilidade ouvia som alto até o raiar do dia, e também a necessidade de acordar cedo para pegar a estrada, além de questiúnculas domésticas não o deixaram dormir.
Era véspera de Sexta-Feira da Paixão, quando os cristãos católicos celebram a crucificação de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Walker se fazia acompanhar de Lucrécia, sua cara-metade, e na prainha do rio estavam estirados sobre uma pedra quando o olhar dele fixou-se em uma formiga aflita. Ela se encontrava ilhada sobre a pedra ao lado. “Como essa formiga foi parar ali”? – Ele pensou.
Esta era a questão. Não havia explicação. Talvez o vento a tivesse jogado sobre a pedra. Podia ser.
De toda maneira, a formiga tentava, em vão, escapar. Ia por um lado, até a linha d’água, e voltava.
Ia para o outro lado e dava com a cara n’água.
Subia ao topo da pedra e como suricata, mamífero da família Herpestidae, em pé nas pontas das patinhas traseiras para ficar mais alta e enxergar mais longe buscava ela uma saída. Mas não havia saída.
A coitada da formiga não tinha como sair dali sem ajuda.
O lugar ermo, dificilmente chegaria alguém ali para socorrê-la. Sem ninguém por perto, a formiga morreria estorricada pelo calor do sol ou do seu reflexo quente na pedra, com fome ou esbaforida de cansaço de tanto subir e descer a pedra.
Formiga não sabe nadar. E, ademais, se ela caísse n’água seria imediatamente tragada por uma piabinha.
De repente, o casal via-se ocupado com o problema da formiga. Com tantas questões particulares, a humanidade e o mundo em convulsão, ali estavam de certo modo aflito também para resolver um problema de vida ou morte de uma formiga.
Não era o caso de pegar a formiga com a mão e colocá-la em algum lugar seguro. Ela era grande e diferente do padrão visto costumeiramente. Não era uma saúva. Não, saúva é amarronzada e essa era esverdeada e mais comprida que a saúva. Podia ser da espécie Triplaris americana, formiga de bosque. Pensou-se, inclusive, no risco de levar uma picada dela.
O melhor meio disponível era, então, usar uma haste de capim. Da moita próxima, Walker retirou uma haste seca e socorreu a formiga. Ela subiu na haste do capim o mais rápido possível e a percorreu de uma ponta a outra, chegando a subir na mão dele. Logo, ele lhe ofereceu o capim de novo e ela subiu nele quase de um pulo.
Walker teve de segurar a haste, ora com uma mão ora com a outra, a fim de impedir a formiga de subir-lhe novamente ou cair dentro d’água. Ele alcançou uma árvore próxima, cuja folhagem caía dentro d’água e nela colocou a formiga. Ela subiu imediatamente.
Os dois observaram-na correr pelo galho da árvore como se tivesse atrasada para cumprir importante compromisso, até ela sumir das vistas.
A formiga se foi sã e salva. Isso deu a Walker e a Lucrécia uma pitada de satisfação interior, como se tivessem socorrido um bípede implume, assim como eles próprios.
A imagem da formiga aflita marcou bastante ao ponto de ficar registrada para a posteridade na essência deste simplório conto.
*Jornalista e escritor