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23-03-2025 às 11h00
Domingos Leonelli (*)
Três desafios se colocam para as forças progressistas nos próximos seis ou sete anos:
(1) manter o sistema democrático
(2) tornar a democracia brasileira mais substantiva, mais realizadora, mais igualitária e menos corrupta aos olhos do povo e
(3) definir um projeto de futuro para o Brasil.
A insatisfação do povo com o governo Lula, muitas vezes melhor que o anterior de Bolsonaro, não é apenas contra o governo. É também com a democracia socialmente faltante que temos. Daí a resiliência da ultradireita falsamente “revolucionária”.
Felizmente muitas cabeças pensantes do PT, de outros partidos e independentes já estão reconhecendo que os problemas do governo não são apenas de comunicação. E especialmente não são de técnicas de comunicação, mas de comunicação política, o que envolve estratégia e tática nas áreas de economia, do social e também da própria política.
Uma comunicação eficaz depende da clara definição de um objetivo estratégico que se desdobre em objetivos táticos, programas e ações, que são as campanhas específicas dos vários produtos que compõem a estratégia.
No caso de um governo central, o objetivo estratégico é um projeto nacional de desenvolvimento definido, em princípio, pela presidência da república a partir dos programas partidários e dos compromissos de campanha a serem executados pelos ministérios.
Ocorre que o planejamento estratégico, como função governamental, foi praticamente extinto desde o governo do presidente Ernesto Geisel e do ministro Reis Veloso. Os governos que se sucederam, todos eles, fragmentaram essa função e a terceirizaram, ora para as grandes empresas de construção, ora para o capital financeiro. O ministro da Fazenda de FHC, Pedro Malan, chegou a afirmar que “melhor política industrial era não ter política industrial “.
E o pior é que não existe, no atual governo, nenhum órgão que pense um plano estratégico ou um projeto nacional de desenvolvimento. Exatamente o grande problema do governo Lula. Isso se casa com a cabeça do presidente Lula, um verdadeiro gênio da tática política e com bons insights na geopolítica, mas com um pensamento mais voltado a atender as necessidades mais prementes e imediatas do nosso povo. O que é necessário e generoso, mas insuficiente.
Como eu já disse em outros textos, o governo Lula está gastando o estoque do passado – Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, PAC, Farmácia Popular – acrescido apenas do Pé-de-Meia, uma ideia da Deputada Tabata Amaral abraçada por Lula. Não consegue formular e propor um sonho de País ou um verdadeiro projeto nacional de desenvolvimento que coloque o Brasil na rota do progresso mundial do século XXI.
Nem o governo, nem a esquerda da qual o governo é oriundo, conseguiram até agora formular e levar esse projeto à sociedade.
A exceção mais visível, em termos de políticas estruturantes, é a Nova Indústria Brasileira tocada pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Alckmin e Mercadante entenderam a importância da transição para um “Renascimento Criativo da Indústria” no século XXI, conceito definido no atual programa do PSB. Uma política industrial é uma decisão política da maior envergadura. E os socialistas brasileiros partem do princípio que é a política que deve dirigir a economia e a sociedade. E não o sistema financeiro, as bigtechs ou o agronegócio.
É preciso “recuperar a precedência da política”. E para isso precisamos recuperar a moral da política combatendo firmemente a corrupção, o patrimonialismo e o fisiologismo. Definir com clareza nossos princípios ideológicos e nossos objetivos estratégicos.
Claro que o governo precisará tomar medidas pontuais urgentes e imediatas para conter a inflação de alimentos, para atender melhor a saúde da população mais pobre e para atenuar a sensação de perda da classe média. Dar continuidade às melhorias na comunicação e concluir os malabarismos políticos e administrativos para garantir a governabilidade imediata.
Mas é necessário também restabelecer os termos da verdadeira polarização da política brasileira, que não é apenas entre Bolsonaro e Lula ou entre a prisão de Bolsonaro e a anistia. A verdadeira polarização tem um lado o modelo econômico e político neoliberal de subordinação ao capital financeiro e ao interesse internacional de nos manter como exportador de commodities agrícolas e minerais e importador de produtos tecnológicos. E pelo outro lado, uma vaga ideia de desenvolvimento soberano minimamente distributivista e socialmente mais justo.
Ocorre que o projeto neoliberal está pronto e vigente. E a ideia de desenvolvimento justo é apenas uma ideia que carece de um projeto nacional de desenvolvimento. Essa fragilidade é agravada pelo avanço mundial da direita e pela resiliência da ultradireita no Brasil. Como resposta a esse quadro multiplicam-se as vozes dentro do próprio partido do Presidente Lula e também em outros partidos progressistas, de que é preciso uma guinada à direita e ao centro para recuperar a popularidade e melhorar a governabilidade.
Nada mais falso e ilusório. O governo e os partidos progressistas só vão se enfraquecer ainda mais se seguirem esse caminho. Perderão ainda mais credibilidade e a pouca militância que ainda possuem. E não ganharão nem o voto e nem o apoio de evangélicos, militares, pequenos e médios empresários, profissionais liberais, trabalhadores e parte da juventude, encastelados ideologicamente numa falsa posição contra o “sistema”, contra os privilégios e contra a corrupção.
A verdade é que a esquerda brasileira, na sua grande maioria, já está no centro. A esquerda já reviu o conceito da socialização dos meios de produção, é a mais firme defensora do sistema democrático e das instituições jurídicas e institucionais, moderou até o limite máximo sua luta reforma agrária, convive com o agronegócio e até com a pseudo independência do Banco Central.
Erradamente, mas na prática perdeu até o sentido da revolução como transformação estrutural da sociedade. Onde ir mais ao centro? Conformamo-nos com os juros mais altos do mundo? Aceitarmos as Emendas Pix do Centrão?
A questão precisa ser colocada em outros termos: precisamos de um projeto nacional de desenvolvimento capaz de atrair setores do centro e até da direita pelo viés nacionalista, desenvolvimentista e de defesa sustentável de nossos recursos naturais e culturais. Como reconhecemos autocríticamente no novo Manifesto do PSB, “faltou, e ainda falta um projeto de país “. E no programa socialista há uma sugestão de título para esse projeto de desenvolvimento: “Brasil, Potência Criativa e Sustentável”.
O próprio Programa do PSB constitui-se em uma contribuição significativa para o Projeto Nacional de Desenvolvimento. Uma contribuição que pode ser ampliada e melhorada pelos partidos progressistas e por pensadores brasileiros e lideranças políticas dentro e fora do governo.
A proposta de um “Brasil, Potência Criativa e Sustentável” parte do princípio de que há um novo paradigma mundial surgido da revolução tecnológica que alterou profundamente as bases econômicas e sociais da humanidade. Um novo paradigma civilizacional conhecido como a Era do Conhecimento que tem na Economia Criativa um de seus principais pilares.
Um projeto estratégico para o Brasil precisaria levar em conta essa mudança de paradigma, “onde o grande capital financeiro e a economia imaterial constituem-se nos fatores mais dinâmicos do capitalismo”.
Nossa proposta é que tomando a Economia Criativa como fio condutor do projeto de desenvolvimento, “os ativos econômicos, e tecnológicos e culturais já existentes podem ser valorizados e estimulados, a exemplo das cadeias produtivas em torno da saúde, da siderurgia, da agroindústria da agricultura familiar, da indústria do petróleo e das tecnologias de informação e comunicação”.
E para transformar nosso sonho de país em realidade entendemos como necessário agregar “ inovação, a cultura, a pesquisa científica e o avanço tecnológico que caracterizam a era do conhecimento florescente no século XXI, às nossas imensas reservas naturais de água, solo fértil, sol, minerais, Amazônia e biodiversidades terrestres e marinhas. E construiremos um Brasil como potência mundial alimentar, energética, mineral, tecnológica e cultural”.
Uma das proposições concretas do “Brasil, Potência Criativa e Sustentável” é, por exemplo, a Amazônia 4.0 que identifica nossa biodiversidade amazônica como um dos principais ativos e diferenciais competitivos brasileiros nas cadeias econômicas globais. Um choque de economia criativa e nova industrialização para a Amazônia sem derrubar uma árvore e nem poluir nenhum rio, capaz de aproveitar todo o potencial e o conhecimento biotecnológico através de agroindústrias ou biofábricas, criando uma marca brasileira na economia global.
Para isso é necessário que o governo se muna de coragem para enfrentar as vozes neoliberais e corporativas que certamente se levantarão e criasse uma AMAZOMBRAS como uma grande empresa ou agência de desenvolvimento. Não para produzir nada de material, ou produto industrial, mas como articuladora, incentivadora e investidora em iniciativas novas ou já existentes. Uma empresa que desse apoio financeiro e tecnológico às inúmeras iniciativas científicas e culturais já existentes nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, além de outros estados que compõe a Amazônia Legal, atraindo talentos criativos e investimentos nacionais e internacionais. E desenvolvesse um forte marketing para valorizar a marca amazônica, dentro e fora do Brasil.
A indústria cinematográfica, ou o audiovisual que que já vem recebendo uma maior atenção do governo Lula-Alckmin , poderia ser também um soft-power de um projeto nacional de desenvolvimento se for encarada como indústria. Uma indústria criativa e cultural.
Mas é preciso juntar esses meros exemplos com as outras atividades de infraestrutura como as ferrovias, a navegação de cabotagem, a mineração, o próprio agronegócio, o comércio, para uma cruzada de inovação comandada pelo governo e pela iniciativa privada em parceria produtiva. A parceria produtiva, aliás, poderia ser a grande bandeira a favor do Brasil e da economia real, capaz de reorientar o mercado financeiro e o crédito para atividades produtivas. Tudo isso estaria junto, articulado e comunicado, num projeto nacional de desenvolvimento, cujo título sugerimos seja Brasil, Potência Criativa e Sustentável.
(*) Domingos Leonelli, ex-deputado federal e secretário Nacional de Formação Política do PSB