
Brasil tem um gigantesco déficit na balança comercial com os EUA. CRÉDITOS: Reprodução
14-07-2025 às 09h25
Arthur Nadú Rangel*
A guerra comercial chegou ao Brasil e não foi da forma que imaginávamos. Era certo que a guerra comercial de Trump chegaria ao Brasil, não por questões econômicas, visto que o Brasil tem um gigantesco déficit na balança comercial com os EUA; somos praticamente o exemplo de país “parceiro” que Trump procura: vendemos insumos e commodities cruas e baratas para as fábricas dos EUA e compramos os produtos industrializados deles com uma enorme margem de valor agregado. Porém, apesar desta relação comercial promíscua com os norte-americanos, o Brasil possui um problema incurável do ponto de vista daqueles que buscam restaurar a uni-polaridade: os BRICS. Com o objetivo de estabelecer autonomia econômica global, sem qualquer tutela dos países do G7, os BRICS atuam ativamente na construção de novas relações econômicas globais, pautadas não mais na subserviência, mas sim no interesse coletivo e na liberdade de cada nação de buscar de forma pacífica os seus interesses.
Apesar de uma ameaça vazia de taxar os países membros dos BRICS em 10%, o tiro de Gavrilo Princip veio da constante pressão política feita por parlamentares de extrema direita do congresso nacional, que, em resposta a derrota eleitoral na corrida presidencial, decidiram adotar como forma de enfrentamento político a genuflexão ao Trump, com pedidos diários de intervenção política e militar no Brasil, para que o líder deles seja encaminhado ao trono do Brasil, de similar forma como foi feito com Mohammad Rezā Shāh Pahlavi no Irã em 1953. A advocacia da oposição parlamentar foi por sansões contra o Brasil, punições econômicas e apoio a um golpe de Estado. Apoiado por quase um terço dos eleitores, tal pedido significaria, de forma simples e direta, colocar o interesse individual de uma dúzia de apedeutas de direita acima de mais de cem milhões de trabalhadores e duzentos milhões de brasileiros; podemos dizer que é a primeira vez que a oposição tem como plano de trabalho a punição coletiva de todos os nacionais, correndo risco de gerar uma crise econômica e social inimaginável, em troca de que a sua vontade seja feita. Se existisse o tipo penal de alta traição nacional, os mesmos fariam jus, pois atuam como aqueles que vendem os segredos estratégicos mais importantes do país por trocados.
Nessa permuta, tais políticos prometeram a Trump que fariam tudo que o departamento de estado americano pedisse, inclusive com a retirada do Brasil dos BRICS, a privatização do petróleo nacional e das principais fontes de água do país, o fechamento de fábricas e a transferência de linhas de produção do Brasil para os EUA; imagino: se eles tiverem sucesso, o que restará do Brasil para governar? Apenas as fazendas e minas? Do que o povo brasileiro viveria? De microempreendedoríssimo focado em bolo de pote e direção de carro de aplicativo?
De forma oportunista, Trump utilizou do plangor dos bolsonaristas contra o Brasil e o sistema judiciário brasileiro para anunciar uma taxação de 50% sobre os produtos brasileiros vendidos aos EUA. Exigiu que o judiciário encerasse processos penais contra criminosos brasileiros, alegando que tais processos violavam a lei norte americana, exigiu que Bolsonaro se tornasse novamente elegível e fez uma proposta ao Brasil: devemos abrir mão de nossa soberania política e econômica, fazendo um esforço concentrado para levar as nossas fábricas para os EUA e extinguir os empregos aqui, assim ele suspenderia as tarifas anunciadas. Os bolsonaristas ficaram felizes, comemoraram como se fosse a vitória da seleção brasileira na final da copa do mundo… Prefeitos e governadores de extrema direita por todos os cantos do país anunciaram com alegria a punição ao Brasil, enquanto os trabalhadores brasileiros olhavam as declarações impudicas de tais autoridades.
Não restava dúvida de que o interesse da extrema direita era pela cadela no cio, não pelo Brasil. Ao mesmo tempo, os nacionalistas observavam que o presente movimento de Trump não passava de uma nova fase na relação promíscua da política brasileira com os EUA – de fato estão certos, em 2022 a esquerda neoliberal também suplicava aos democratas norte-americanos a intervenção no Brasil, para que esses “garantissem” que a democracia iria continuar no nosso país, frente a uma eleição complicada e disputada; não existe muita diferença entre tal esquerda, que vê os EUA ou os órgãos internacionais como tutores da democracia no Brasil, da extrema direita, que atua apenas pelo interesse privado, porém a situação se desdobra de forma mais complexa do que podemos imaginar.
Lembro que foi durante a ditadura militar brasileira, construída pelos EUA e sustentada por uma elite de civis e militares que não sabiam distinguir o amarelo canarinho das estrias vermelhas e brancas sem graça da bandeira dos EUA, que os verdadeiros nacionalistas apareceram. Limitados pelo momento histórico e pelas circunstâncias, não tiveram medo de agir contra os EUA. O general Ernesto Geisel rompeu com o alinhamento automático com os EUA em 1977 à medida que a divergência entre os interesses americanos e brasileiros levava o Brasil para mais uma crise econômica e social. Pode, nos dias de hoje, parecer um ato simples, mas na época, no auge da caça aos movimentos de esquerda, cercado de militares que viam os EUA como tutores do Brasil, foi um ato de coragem, que o levou a ser chamado de apoiador das esquerdas ou de traidor do movimento militar. Lembro de uma entrevista que Ernesto Geisel deu à Folha de São Paulo em 1995:
“Ernesto Geisel adotou o que se convencionou chamar de política “terceiro-mundista”, com ênfase em países da África ou América Latina. Aproximava-se também da União Soviética e dos países árabes. Daí o voto contra o sionismo na ONU e a aproximação com os ideais da Organização para Libertação da Palestina (OLP).
A razão principal para o rompimento do acordo militar, segundo ele, era a pressão dos EUA em relação à política de direitos humanos no Brasil, uma das bandeiras do presidente Jimmy Carter. “Não podia sujeitar o Brasil à interferência externa”, afirma Geisel.
No fim de 1976, o Departamento de Estado preparou um texto crítico apontando desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Falava-se de tortura, assassinatos e coação contra estudantes e demais movimentos populares. Outros tempos. Acabara-se o tempo em que o então secretário de Estado, Henry Kissinger, amigo do chanceler Azeredo da Silva, minimizava questões como direitos humanos, privilegiando a ofensiva contra o comunismo. O Congresso americano determinou que os países que desejassem receber ajuda militar deveriam se sujeitar a uma inspeção sobre direitos humanos. ‘O Senado americano queria ser o juiz dos problemas dos direitos humanos no Brasil. Eu não podia aceitar isso. Era uma intromissão’
Não devemos nos enganar, em 1977 o interesse dos EUA não era na proteção dos direitos humanos ou na punição às violações que o Brasil cometeu na perseguição aos movimentos comunistas, mas sim em uma forma de controlar o Brasil, pautar a nossa política externa. Da mesma forma que a preocupação de Trump não é atualmente com a democracia e a liberdade no Brasil, mas sim com a retomada da subserviência brasileira aos interesses americanos.
O Brasil acima de tudo, lema dos bolsonaristas, não contempla a democracia nacional e sujeita-se aos interesses republicanos. A luta pela democracia da esquerda liberal, da mesma forma, não reconhece a soberania nacional ao colocar em órgãos internacionais ou mesmo no departamento de estado norte-americano, quando comandado pelo partido democrata, a garantia da democracia brasileira. Nenhum dos dois movimentos são nacionalistas, eles não existem em uma realidade de busca do bem comum, mas apenas dentro de interesses individualistas neoliberais.
Assim, da mesma forma que não podemos dizer que existe polarização no Brasil (visto que o governo lula está longe de representar a extrema esquerda antagônica à extrema direita de Bolsonaro), não podemos dizer que existe uma equivalência dos atos das duas partes, afinal, os republicanos agiram. Mas ao contrário do que muitos apontam, o meio-termo não é o caminho certo; não existe meio-termo sobre a soberania nacional, sobre os interesses brasileiros ou sobre o bem comum coletivo, da mesma forma que não podemos relativizar o nacionalismo.
Frente a um inimigo em comum, o sonho de muitos países que buscam se reestruturar socialmente, não podemos nos dividir, o agir nacionalista deve ser universal, visto que não podemos mais aceitar movimentos de esquerda ou de direita que não tenham como parte de suas fundações a soberania nacional, o interesse coletivo e o bem comum, valores que não podem ser negociados. Em um país de tradições católicas, mas com crescente número de evangélicos, a linguagem universal da bíblia simplifica o meu texto: Matheus 12:25 “[…]. Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá. ”
A guerra comercial chegou ao Brasil e não foi da forma que imaginávamos. Era certo que a guerra comercial de Trump chegaria ao Brasil, não por questões econômicas, visto que o Brasil tem um gigantesco déficit na balança comercial com os EUA; somos praticamente o exemplo de país “parceiro” que Trump procura: vendemos insumos e commodities cruas e baratas para as fábricas dos EUA e compramos os produtos industrializados deles com uma enorme margem de valor agregado. Porém, apesar desta relação comercial promíscua com os norte-americanos, o Brasil possui um problema incurável do ponto de vista daqueles que buscam restaurar a uni-polaridade: os BRICS. Com o objetivo de estabelecer autonomia econômica global, sem qualquer tutela dos países do G7, os BRICS atuam ativamente na construção de novas relações econômicas globais, pautadas não mais na subserviência, mas sim no interesse coletivo e na liberdade de cada nação de buscar de forma pacífica os seus interesses.
Apesar de uma ameaça vazia de taxar os países membros dos BRICS em 10%, o tiro de Gavrilo Princip veio da constante pressão política feita por parlamentares de extrema direita do congresso nacional, que, em resposta a derrota eleitoral na corrida presidencial, decidiram adotar como forma de enfrentamento político a genuflexão ao Trump, com pedidos diários de intervenção política e militar no Brasil, para que o líder deles seja encaminhado ao trono do Brasil, de similar forma como foi feito com Mohammad Rezā Shāh Pahlavi no Irã em 1953. A advocacia da oposição parlamentar foi por sansões contra o Brasil, punições econômicas e apoio a um golpe de Estado. Apoiado por quase um terço dos eleitores, tal pedido significaria, de forma simples e direta, colocar o interesse individual de uma dúzia de apedeutas de direita acima de mais de cem milhões de trabalhadores e duzentos milhões de brasileiros; podemos dizer que é a primeira vez que a oposição tem como plano de trabalho a punição coletiva de todos os nacionais, correndo risco de gerar uma crise econômica e social inimaginável, em troca de que a sua vontade seja feita. Se existisse o tipo penal de alta traição nacional, os mesmos fariam jus, pois atuam como aqueles que vendem os segredos estratégicos mais importantes do país por trocados.
Nessa permuta, tais políticos prometeram a Trump que fariam tudo que o departamento de estado americano pedisse, inclusive com a retirada do Brasil dos BRICS, a privatização do petróleo nacional e das principais fontes de água do país, o fechamento de fábricas e a transferência de linhas de produção do Brasil para os EUA; imagino: se eles tiverem sucesso, o que restará do Brasil para governar? Apenas as fazendas e minas? Do que o povo brasileiro viveria? De microempreendedoríssimo focado em bolo de pote e direção de carro de aplicativo?
De forma oportunista, Trump utilizou do plangor dos bolsonaristas contra o Brasil e o sistema judiciário brasileiro para anunciar uma taxação de 50% sobre os produtos brasileiros vendidos aos EUA. Exigiu que o judiciário encerasse processos penais contra criminosos brasileiros, alegando que tais processos violavam a lei norte americana, exigiu que Bolsonaro se tornasse novamente elegível e fez uma proposta ao Brasil: devemos abrir mão de nossa soberania política e econômica, fazendo um esforço concentrado para levar as nossas fábricas para os EUA e extinguir os empregos aqui, assim ele suspenderia as tarifas anunciadas. Os bolsonaristas ficaram felizes, comemoraram como se fosse a vitória da seleção brasileira na final da copa do mundo… Prefeitos e governadores de extrema direita por todos os cantos do país anunciaram com alegria a punição ao Brasil, enquanto os trabalhadores brasileiros olhavam as declarações impudicas de tais autoridades.
Não restava dúvida de que o interesse da extrema direita era pela cadela no cio, não pelo Brasil. Ao mesmo tempo, os nacionalistas observavam que o presente movimento de Trump não passava de uma nova fase na relação promíscua da política brasileira com os EUA – de fato estão certos, em 2022 a esquerda neoliberal também suplicava aos democratas norte-americanos a intervenção no Brasil, para que esses “garantissem” que a democracia iria continuar no nosso país, frente a uma eleição complicada e disputada; não existe muita diferença entre tal esquerda, que vê os EUA ou os órgãos internacionais como tutores da democracia no Brasil, da extrema direita, que atua apenas pelo interesse privado, porém a situação se desdobra de forma mais complexa do que podemos imaginar.
Lembro que foi durante a ditadura militar brasileira, construída pelos EUA e sustentada por uma elite de civis e militares que não sabiam distinguir o amarelo canarinho das estrias vermelhas e brancas sem graça da bandeira dos EUA, que os verdadeiros nacionalistas apareceram. Limitados pelo momento histórico e pelas circunstâncias, não tiveram medo de agir contra os EUA. O general Ernesto Geisel rompeu com o alinhamento automático com os EUA em 1977 à medida que a divergência entre os interesses americanos e brasileiros levava o Brasil para mais uma crise econômica e social. Pode, nos dias de hoje, parecer um ato simples, mas na época, no auge da caça aos movimentos de esquerda, cercado de militares que viam os EUA como tutores do Brasil, foi um ato de coragem, que o levou a ser chamado de apoiador das esquerdas ou de traidor do movimento militar. Lembro de uma entrevista que Ernesto Geisel deu à Folha de São Paulo em 1995:
“Ernesto Geisel adotou o que se convencionou chamar de política “terceiro-mundista”, com ênfase em países da África ou América Latina. Aproximava-se também da União Soviética e dos países árabes. Daí o voto contra o sionismo na ONU e a aproximação com os ideais da Organização para Libertação da Palestina (OLP).
A razão principal para o rompimento do acordo militar, segundo ele, era a pressão dos EUA em relação à política de direitos humanos no Brasil, uma das bandeiras do presidente Jimmy Carter. “Não podia sujeitar o Brasil à interferência externa”, afirma Geisel.
No fim de 1976, o Departamento de Estado preparou um texto crítico apontando desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Falava-se de tortura, assassinatos e coação contra estudantes e demais movimentos populares. Outros tempos. Acabara-se o tempo em que o então secretário de Estado, Henry Kissinger, amigo do chanceler Azeredo da Silva, minimizava questões como direitos humanos, privilegiando a ofensiva contra o comunismo. O Congresso americano determinou que os países que desejassem receber ajuda militar deveriam se sujeitar a uma inspeção sobre direitos humanos. ‘O Senado americano queria ser o juiz dos problemas dos direitos humanos no Brasil. Eu não podia aceitar isso. Era uma intromissão’”
Não devemos nos enganar, em 1977 o interesse dos EUA não era na proteção dos direitos humanos ou na punição às violações que o Brasil cometeu na perseguição aos movimentos comunistas, mas sim em uma forma de controlar o Brasil, pautar a nossa política externa. Da mesma forma que a preocupação de Trump não é atualmente com a democracia e a liberdade no Brasil, mas sim com a retomada da subserviência brasileira aos interesses americanos.
O Brasil acima de tudo, lema dos bolsonaristas, não contempla a democracia nacional e sujeita-se aos interesses republicanos. A luta pela democracia da esquerda liberal, da mesma forma, não reconhece a soberania nacional ao colocar em órgãos internacionais ou mesmo no departamento de estado norte-americano, quando comandado pelo partido democrata, a garantia da democracia brasileira. Nenhum dos dois movimentos são nacionalistas, eles não existem em uma realidade de busca do bem comum, mas apenas dentro de interesses individualistas neoliberais.
Assim, da mesma forma que não podemos dizer que existe polarização no Brasil (visto que o governo lula está longe de representar a extrema esquerda antagônica à extrema direita de Bolsonaro), não podemos dizer que existe uma equivalência dos atos das duas partes, afinal, os republicanos agiram. Mas ao contrário do que muitos apontam, o meio-termo não é o caminho certo; não existe meio-termo sobre a soberania nacional, sobre os interesses brasileiros ou sobre o bem comum coletivo, da mesma forma que não podemos relativizar o nacionalismo.
Frente a um inimigo em comum, o sonho de muitos países que buscam se reestruturar socialmente, não podemos nos dividir, o agir nacionalista deve ser universal, visto que não podemos mais aceitar movimentos de esquerda ou de direita que não tenham como parte de suas fundações a soberania nacional, o interesse coletivo e o bem comum, valores que não podem ser negociados. Em um país de tradições católicas, mas com crescente número de evangélicos, a linguagem universal da bíblia simplifica o meu texto: Matheus 12:25 “[…]. Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá. ”
*Arthur Nadú Rangel é Professor, Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Professor universitário na Faculdade Promove em BH.