
CRÉDITOS: Divulgação
23-07-2025 às 08h57
Sérgio Augusto Vicente*
Localizada à margem de uma estrada de terra que ligava os distritos de São Pedro de Alcântara e Espírito Santo, a sede do sítio comprado por Serafim e Patrocínia de Jesus Cardoso era cenário de constantes visitas. Não apenas de conhecidos, mas também de pessoas estranhas, de figuras consideradas “obscuras”.
Certa vez, um andarilho entrou pela porteira pedindo ajuda e socorro. Doente, anêmico e apresentando nítidos sinais de fraqueza, teria recebido alimento, abrigo e proteção. Com suspeita de vermes, Serafim pediu ao farmacêutico local que lhe receitasse um vermífugo. O homem, no entanto, não suportou o efeito do remédio e faleceu expelindo vermes pela boca e nariz.
Severino e a esposa, dona Severina, também clamaram ajuda ao casal português. Desabrigados, solicitavam um teto para morar. Solidarizando-se com a situação que enfrentavam, Serafim escolheu um canto da propriedade onde pudesse construir um casebre para os dois. Nesse local, ambos viveram parte de suas vidas, em troca de serviços prestados aos proprietários.
O menino Valdemar, morador da redondeza, é outro caso de solidariedade praticado por Patrocínia e Serafim.
A mãe do garoto, mulher que trabalhava numa fazenda vizinha, acabou por abandoná-lo com poucos meses de idade naquelas terras. O menino foi acolhido no sítio, onde permaneceu até o início da idade adulta. Certo dia, a referida mulher teria batido na porta, à sua procura. Declarava-se determinada a tirá-lo dali e levá-lo consigo.
O menino, não reconhecendo a mulher que o gerou em sua barriga, opôs-se prontamente à ideia, e pediu à Patrocínia que o mantivesse sob seus cuidados. Não se sabem os reais motivos e circunstâncias que teriam motivado aquela mulher a abandonar o próprio filho – talvez as dificuldades da vida. Mas o fato é que o menino cresceu sem conhecer a mãe biológica e, portanto, sem os laços afetivos necessários para se recolocar em seus braços. E, assim, diante desse dilema, a mulher foi embora sem a companhia do filho. Quando adulto, Valdemar conseguiu emprego na cidade vizinha de Três Rios, onde se casou. Contudo, continuou realizando frequentes visitas ao sítio para rever a família que o acolheu e recordar as memórias afetivas da infância.
Em outra ocasião, um cavaleiro misterioso passou pelo sítio solicitando hospedagem. O homem cavalgava ao relento à procura de um teto onde pudesse passar a noite. Dessa vez, no entanto, o pedinte não era pobre e desvalido. Bem vestido e de tipo imponente, o cavaleiro trazia na cintura um revólver. Serafim não hesitou em atender ao seu pedido. Antes de entrar no quarto para se deitar, o homem retirou a arma da cintura e a ofereceu a Serafim, para que pudesse guardá-la consigo enquanto dormia. Com esse gesto, almejava conquistar a confiança do dono da casa. Serafim, contudo, recusou a oferta e declarou que, embora não o conhecesse, confiava plenamente em suas boas intenções.
No dia seguinte, a propriedade de seu irmão, que era contígua à sua, foi roubada. Joaquim Cardoso perdera seu cavalo por um ladrão que passava pela estrada. As autoridades policiais, dias depois, descobriram o autor do crime. Para a surpresa de Serafim, o bandido era o mesmo homem que dormira em sua casa. No depoimento prestado na delegacia, o ladrão teria declarado que o roubo foi um ato de vingança, uma vez que Joaquim Cardoso lhe havia negado a gentileza de o acolher em sua casa. Serafim, enquanto isso, seria merecedor de enorme gratidão, por tê-lo acolhido de maneira tão atenciosa e generosa. Além disso, orgulhava-se da confiança que lhe fora depositada naquela noite. Uma confiança que nem mesmo ele parecia ter em si mesmo.
Mas a relação com os transeuntes que passavam pela estrada nem sempre tinha um final feliz. Baltazar é um exemplo disso. Morador de Vargem Grande, o homem passava constantemente pela estrada, a pé, sempre munido de uma espingarda. E, constantemente, irritava-se com o latido dos cachorros de estimação de Patrocínia.
Sempre de prontidão no terreiro, Pirata e Frajola saíam latindo pelo caminho da porteira ao menor sinal de movimento. Eventualmente, ambos extrapolavam os limites do espaço privado para latir com as pessoas na estrada. Até que um dia o homem sacou da arma e desferiu um tiro mortal contra Frajola. O episódio, naturalmente, despertou grande revolta e animosidade na relação entre Patrocínia e Baltazar. A vida, porém, sempre impondo as suas ironias, ainda se incumbiria de reforçar os vínculos da família de Mariana com a do autor do assassinato.
O futuro guardava surpresas…
(Aguardem os demais capítulos em futuras edições do DM…)
*Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e Historiador. Doutor, Mestre, Bacharel e Licenciado em História pela UFJF. Colunista do jornal “Diário de Minas” e colaborador de outros periódicos. Membro correspondente da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil (Mariana-MG). Trabalha na Fundação Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora-MG).