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CRÉDITOS: Getty Images
Sabe-se que, na China, as empresas de tecnologia andam sempre alinhadas ao governo central. Assim, não sabemos se o lançamento do DeepSeek nessa data foi uma jogada calculada de Xi Jinping ou apenas uma coincidência com o Ano Novo Chinês.
10-02-2025 às 10h37
Mariana Grilli Belinotte*
A cerimônia de posse de Donald Trump mal havia terminado quando os chineses entregaram seu “presente”: o lançamento do modelo de inteligência artificial DeepSeek. Ainda pairam dúvidas sobre suas reais capacidades, e se os custos anunciados correspondem à realidade. Mas o lançamento por si só já provocou um terremoto nos meios político, financeiro e empresarial estadunidenses.
O impacto foi sentido imediatamente nas bolsas de valores. As ações das principais empresas de tecnologia americanas sofreram quedas significativas: a Nvidia, produtora de chips, perdeu 17% do valor de suas ações; Meta (antiga Facebook), Microsoft e Google também tiveram perdas. Nesse momento, as empresas parecem já ter se recuperado, ao menos parcialmente. Mas para uma economia onde grande parte das aposentadorias está atrelada ao desempenho do mercado acionário, e num segmento que vinha acumulando seguidas altas, o golpe foi doloroso, causou sensação de instabilidade, e pode ter abalado a confiança até então inabalável dos investidores.
Houve ainda outros efeitos psicológicos ligados ao lançamento. Analistas já comparam o momento ao lançamento do Sputnik em 1957, quando a União Soviética surpreendeu os Estados Unidos ao ser o primeiro país a colocar um satélite em órbita. Assim como naquela época, o avanço tecnológico de um competidor expôs vulnerabilidades americanas em áreas consideradas estratégicas.
Atualmente, a disparidade entre os dois países em termos de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de IA é notável. Dados de 2016 do Fórum Econômico Mundial indicam que a China estava formando 4,7 milhões de alunos nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática por ano. Para fins de comparação, os Estados Unidos têm formado menos de meio milhão por ano. A China também tem investido um percentual maior de seu PIB em pesquisa básica do que os EUA.
O timing do lançamento parece especialmente prejudicial para o recémempossado presidente. Se a Deepseek tivesse surgido algumas semanas antes, seria mais um indicador do fracasso do governo Biden. Ao ser anunciado logo após a posse de Trump, com os chefões das Big Techs todos presentes na cerimônia inaugural, em uma demonstração de apoio inédita ao republicano, a pressão recai diretamente sobre o presidente e seus novos aliados do Vale do Silício.
A questão que se coloca agora é como Trump e sua turma responderão a este desafio. O modelo americano de inovação, baseado no livre mercado e no mantra “move fast and break things” (“mexa-se rápido e quebre coisas”), parece estar sendo superado planejamento estratégico chinês de médio e longo prazo. O presidente terá que equilibrar suas conhecidas táticas de confrontação com a necessidade de uma resposta estruturada ao avanço tecnológico chinês.
Sabe-se que, na China, as empresas de tecnologia andam sempre alinhadas ao governo central. Assim, não sabemos se o lançamento do DeepSeek nessa data foi uma jogada calculada de Xi Jinping ou apenas uma coincidência com o Ano Novo Chinês. Mas o fato é que esse lançamento adiciona mais uma camada de complexidade ao já tenso relacionamento sino-americano. Para um presidente como Trump, que tem consolidado sua carreira política criticando a ascensão chinesa, começar o mandato comuma demonstração tão clara do avanço tecnológico do rival não poderia ser mais desafiador.
*Mariana Grilli Belinotte é doutoranda na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), participa do Grupo de Estudos Raul Soares, e é Amiga da Marinha (SOAMARMG)