Com a atenção voltada aos assuntos econômicos, é óbvio que a China será um dos principais focos, ou alvo, do futuro presidente dos EUA. Essa tendência começou em seu mandato anterior
11-11-2024 às 09h:23
Mariana Grilli Belinotte*
Depois de um longo e complexo período eleitoral, os Estados Unidos têm um novo presidente — que não é tão novo assim. Donald Trump levou essa eleição com uma vantagem ainda maior do que quando disputou contra Hillary Clinton, em 2016, e isso após ser investigado e condenado por diversos crimes. Já Kamala Harris não conseguiu empolgar os eleitores, embora tenha angariado muitos apoios no mundo da cultura pop.
Com as apurações quase concluídas — embora em alguns lugares esse processo pode levar mais alguns dias ou semanas —, podemos refletir sobre as consequências geopolíticas desse pleito.
Afinal, o mundo observa com atenção as eleições estadunidenses não apenas por entretenimento, mas porque quem comanda Washington afeta, de uma maneira ou de outra, todo o resto do planeta.
Os resultados da eleição preocupam o continente europeu. Trump não escondeu sua falta de entusiasmo com a guerra na Ucrânia durante sua campanha. Pelo contrário, há alguns indícios de que ele talvez até nutra alguma admiração por Vladimir Putin. Nesse cenário, os europeus temem a redução ou o fim total do auxílio militar à Ucrânia. A questão é se os demais aliados serão capazes de preencher essa lacuna. No entanto, mesmo que sejam capazes de redirecionar seus próprios recursos para a Ucrânia, o custo doméstico dessa ação é alto: mais gastos militares pode significar um agravamento da crise do custo de vida, insatisfação popular, e até prenunciar mais vitórias futuras da extrema-direita. A eleição de Trump também deixa Zelensky exposto interna e externamente.
Na questão da Palestina, nenhum dos dois candidatos prometeu realizar grandes mudanças estratégicas, apesar da pressão de alguns setores do Partido Democrata. Com Trump no poder,
Netanyahu talvez se sinta mais confiante e ousado, mas parcelas da população israelense parecem estar descontentes com a condução do conflito, o que pode restringir a atuação do Primeiro Ministro. Nesse momento, a escalada da guerra não é ainda uma certeza, apesar dos repetidos ataques trocados por Israel e Irã. Ainda é cedo para afirmar se Trump buscará escalar o conflito com o Irã. A retirada das tropas do Afeganistão, em seu mandato anterior, após mais de 20 anos de presença estadunidense no país, podem indicar que o presidente eleito tem uma maior inclinação para questões econômicas — embora não se possa excluir que outras pressões e interesses, como a disputa por energia ou a pressão dos evangélicos estadunidenses, possa forçar Trump a ser mais ativo na região.
Com a atenção voltada aos assuntos econômicos, é óbvio que a China será um dos principais focos, ou alvo, do futuro presidente dos EUA. Essa tendência começou em seu mandato anterior, e, baseado nas declarações de campanha, provavelmente vai se aprofundar agora. Se é certo que a China responderá a eventuais sanções e provocações, a resposta em si ainda não é clara. O gigante asiático pode apenas intensificar seu processo de soberania tecnológica, que visa alcançar a maior independência possível nas cadeias de produção e desenvolvimento, para minimizar o impacto de eventuais embargos ou restrições da cadeia logística. Ou pode responder politicamente e retaliar os EUA. O efeito das ações de Donald Trump também é incerto, em relação aos custos e benefícios das ações propostas pelo recém-eleito: suas tarifas poderiam prejudicar mais do que ajudar a economia americana, e ao mesmo tempo causar apenas danos mínimos à China.
Por fim, o que podemos esperar para a América do Sul? A relação com Lula claramente não é das melhores. Milei está feliz, mas não sabemos se essa alegria se justifica. Trump não é dos aliados mais fáceis de se ter, e pode ser que seu apoio ao argentino seja limitado. Temos também a questão venezuelana. Nesse ponto, acredito que as ações do futuro presidente são uma incógnita, até porque Maduro mantém um comportamento imprevisível. Por fim, Trump terá que lidar com a crescente presença chinesa no subcontinente, o que pode levar a conflitos de interesse com os países da região.
Internamente, já se antevê a reversão de políticas progressistas de proteção às minorias, o endurecimento da política imigratória e o acirramento das guerras culturais. Também são esperadas mudanças nos sistemas de freios e garantias que podem por em risco as instituições democráticas do país. Mesmo assim, se conseguir pelo menos dar a impressão de que a economia está melhorando, Trump provavelmente se manterá popular. Pelas leis atuais, não pode concorrer a um terceiro mandato. Devido a sua idade avançada, parece pouco provável que tente mudar as regras para permitir sua reeleição, mas pode tentar fazer seu sucessor.
Em resumo, muito já se sabe, mas também muito se ignora sobre as consequências geopolíticas da vitória de Trump. Não foi uma vitória tão inesperada, embora os democratas afirmaram até o último minuto que estavam confiantes. Trump tem o controle do Congresso, o que potencializa sua atuação, mas a idade avançada do presidente pode interferir em seus planos — há quem diga que suas faculdades mentais, como as de Joe Biden, não são mais as mesmas. Ressalta-se também a consolidação das forças políticas que apoiam Donald Trump. Trata-se de uma população radicalizada, em um país polarizado, e com uma oposição desmoralizada.
O que nos resta é nos adaptarmos a essa realidade. Devemos evitar o alinhamento automático a qualquer país que seja, e nos lembrarmos que o que deve determinar as relações internacionais são os interesses nacionais. Com Trump ou com Harris, os desafios do Brasil em boa medida permanecem: desigualdade social, direitos humanos, crescimento econômico, garantia da cidadania e da segurança pública, e defesa da paz e da tolerância. As eleições estadunidenses influenciam o Brasil e o mundo, e exigem reajustes na rota, mas os objetivos permanecem os mesmos.
*Mariana Grilli Belinotte é bacharel e mestre em Direito (USP, UFMG) e doutoranda em Ciências Militares (ECEME). Participa do Laboratório de Pesquisa em Poder Cibernético (LPCiber), do Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares e do Laboratório de Simulações e Cenários (LSC).