
Vale destacar que o racismo estrutural, conceito basilar para essa análise. CRÉDITOS: Divulgação
10-07-2025 às 10h12
Raphael Silva Rodrigues*
A relação entre raça e tributação no Brasil revela detalhes complexos da desigualdade estrutural que atravessa a sociedade. Ao analisar criticamente esse tema, é necessário reconhecer que o sistema tributário não é neutro e tampouco age isoladamente: ele reflete e, muitas vezes, perpetua as distorções históricas de raça e classe, reforçando barreiras de acesso à cidadania e à justiça social.
O país possui um sistema tributário regressivo, com elevada incidência de impostos sobre o consumo, impactando de maneira mais severa a população negra e pobre. Estudos recentes, como o relatório do Ipea, escancaram que homens e mulheres negros pagam, proporcionalmente, mais impostos do que brancos, pois destinam parcela maior da renda ao consumo, já que o orçamento familiar é mais comprometido com necessidades básicas. Tais dados desnudam como a tributação indireta, em especial aquela sobre bens essenciais, recai de modo desproporcional sobre grupos racialmente vulnerabilizados. (GOBETTI, Sérgio Wulff. Relatório do Ipea aponta desigualdade tributária no Brasil: quanto maior a renda, menor a carga tributária. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2024).
Além disso, a estrutura de renda no Brasil é fortemente racializada: negros, em comparação com brancos, têm menos acesso a cargos de destaque e menores salários médios, o que influencia decisivamente o montante de impostos diretos pagos e o acesso a benefícios fiscais e políticas de transferência de renda. Não é novidade que o topo da pirâmide social (os chamados “super-ricos”) é composto, majoritariamente, por homens e brancos. Do outro lado, praticamente de forma invisível, tem-se a presença das mulheres, negros, pardos e indígenas. Desse modo, a progressividade dos tributos sobre renda e patrimônio não consegue, na prática, contrabalançar os efeitos concentradores dos tributos indiretos, aprofundando a segregação econômica e racial.
Vale destacar que o racismo estrutural, conceito basilar para essa análise, se manifesta justamente na maneira como as instituições e políticas públicas (inclusive fiscais) perpetuam desigualdades raciais de acesso a bens, serviços e oportunidades. É sintomático que, mesmo sob o manto formal da isonomia e da capacidade contributiva, a tributação acabe por reforçar desigualdades que têm origem na escravidão, na pouca mobilidade social e nas práticas discriminatórias dos mercados de trabalho e crédito.
No plano normativo, iniciativas como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/10) e as diretrizes constitucionais de justiça fiscal são tentativas de corrigir tais distorções. No entanto, esses marcos legais esbarram em limites estruturais: se não houver mudanças na matriz tributária, avançando de uma lógica regressiva (consumo) para outra progressiva (renda e patrimônio), as disparidades raciais permanecerão ou até se acentuarão.
Portanto, a discussão crítica sobre tributação e raça deve ir além do diagnóstico e pautar propostas concretas: ampliar a tributação progressiva, revisar isenções que beneficiam setores historicamente privilegiados, investir em transparência sobre o impacto racial dos tributos e criar mecanismos de compensação para neutralizar a desigualdade racial embutida nos sistemas de arrecadação e nas transferências estatais. Mais do que nunca, é urgente pensar a tributação como um instrumento de justiça racial e redistributiva, capaz de combater efetivamente as raízes históricas da desigualdade no Brasil.
E como ponto de reflexão, sugere-se a seguinte inquietude: A reforma tributária tem o condão de ir além do discurso político e ético e promover mecanismos que realmente dialogam com o legado do racismo estrutural nacional?
*Raphael Silva Rodrigues é Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.