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Trabalhador negro, na chuva, no início da noite, de bermuda e sandália chama táxi

Trabalhador negro, na chuva, no início da noite, de bermuda e sandália chama táxi

Era intenso o movimento de carros na rua da Bahia, em frente ao anexo da Biblioteca Pública Professor Francisco Iglésias, em Belo Horizonte. Era final de tarde, para completar o quadro.

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20-01-2023

18h:33

Rolando T. Neves*

A cena podia passar despercebida, não fosse estar ali alguém com perspicácia e na expectativa da chegada do ônibus lotação a fim de ir para casa.

Era sexta-feira, final de tarde. Chovia fino. O homem negro, alto, magro, vestido de camisa vermelha e bermuda azul, calçado de sandálias de borracha dava sinal para tomar um táxi, enquanto nervosamente tragava a fumaça do cigarro.

O movimento de carros na rua da Bahia, em frente ao anexo da Biblioteca Pública Professor Francisco Iglésias, em Belo Horizonte, era intenso.

À medida que a chuva aumentava o trânsito piorava um pouco mais. Ônibus e carros de passeio fechavam o cruzamento com a avenida Bias Fortes. As pessoas no ponto de ônibus se abrigavam como podiam.

Alguns subiam no banco do abrigo para se refugiar dos pingos de chuva e dos respingos tocados pelo vento forte.

O homem negro dava sinal para os taxistas, mas nenhum carro parava para ele. Ocupados com passageiros ou vazios, nenhum se dignava a atendê-lo. Visivelmente, o homem estava incomodado. E molhado de chuva.

Ele insistiu várias vezes.

Teve um momento em que retirou do bolso da bermuda um maço de cigarros. Pegou um cigarro e com a mão em forma de concha, para proteger do vento a chama do isqueiro, acendeu o cigarro e deu uma longa tragada. A fumaça se misturou aos pingos de chuva e ao monóxido de carbono expelido pelo cano de descarga dos carros.

O homem demonstrava a sua inquietação à medida que nenhum taxista o atendia. É possível que ninguém reparasse ele. Afinal, era só um homem negro tentando tomar um táxi no meio da chuva.

Foi quando ele, exasperado deu meia volta nos calcanhares e se retirou do local nervoso, bradando em alta voz:

- Só porque sou preto. Só porque sou preto. Trabalhador preto é visto como ladrão.

Foi aí que as pessoas ali presentes se deram conta do homem. Pode ser que nenhum taxista se atreveu a parar para ele devido aos trajes dele. E, possivelmente, devido à cor da pele.

Se fosse um ladrão travestido de terno e gravata, certamente o primeiro taxista desocupado parasse o táxi para ele. E seria assaltado.

Escritor*

Imagem da Galeria Infelizmente, os tratamentos desiguais são uma rotina na capital mineiro e em todo lugar
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