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Thales Ramalho, a “bela alma”

Thales Ramalho, a “bela alma”

O conceito de “bela alma” é grego, mas explica a empatia entre o paraibano radicado em Pernambuco, grande estadista Thales Ramalho e o professor Paulo Roberto Cardoso.

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21-03-2024 às 10h:02

Alberto Sena*

O apartamento do professor Paulo Roberto Cardoso, na Praça Raul Soares, em Belo Horizonte (MG), é grande, cheio dele mesmo e de livros. Há pilhas deles em cada móvel da sala, como se a sala fosse uma livraria sem prateleiras.

Para quem gosta de ler, naquele ponto de mastigar livros, visitar o professor Paulo Roberto é um privilégio porque a cada encontro é uma aula. Com aquela casa cheia de livros, a vontade é não sair de casa e dar um tempo ao mundo real para penetrar os vários mundos da literatura, ali exposta sobre a mesa, sobre os sofás, de tal maneira que a gente para se sentar precisa pedir licença a um livro.

De caso pensado, certamente, um só livro ocupa mais espaço ali. É um livro com 11cm de altura e quase 9 cm de largura, tamanho grande mesmo, não somente pelas dimensões, mas pelo conteúdo, porque é a primorosa biografia de um dos homens mais importantes dos nossos tempos, que participou ativamente da redemocratização do Brasil, companheiro de primeira hora do presidente Tancredo Neves, que, embora eleito, não conseguiu iniciar o seu governo porque faleceu no dia de 21 de abril de 1985, comovendo o País em todos os quadrantes.

O livro “Thales Ramalho – Política, Diálogo e Moderação”, editado para lembrar o centenário deste grande homem, de autoria de Cícero Belmar, era um sonho dele ainda em vida e que a filha, Ana Clara Monteiro, concretizou com a mesma garra do pai, um modelo de político a ser seguido e que faz parte da nossa história sobre o antes, o durante e o depois da redemocratização do Brasil, a quem o professor Paulo Roberto chama “bela alma”.

Não sei quantas vezes, o professor Paulo, apontou o livro de Thales Ramalho para dizer o quanto o amigo foi importante em sua vida, justamente em período da maior juventude de um marinheiro de primeira viagem, em Recife, a Veneza brasileira, onde beberia na fonte de um dos nossos maiores políticos brasileiros, profundo conhecedor da vida e do viver recifense.

Quando professor Paulo Roberto fala de Thales Ramalho “a bela alma”, as palavras dele parecem sair do coração, porque vêm carregada de emoção. Seus olhos ganham brilho especial.

Essa mesma emoção, ele sentiu no final de dezembro de 2023, quando foi lançado o livro em comemoração dos 100 anos de Thales Ramalho. Com a maior alegria aceitou o convite de sua “irmã pernambucana”, Ana Clara Monteiro. Sim, o professor Paulo Roberto se considera irmão de Ana Clara, e ela dele, porque sempre, desde os 18 anos de idade, identificou-se tanto com Thales e o tem até os dias de hoje como um segundo pai.

Para não deixar a nossa conversa sair do âmbito daquela sala eu pus a publicação de 300 páginas e confecção de primeira qualidade, bem próximos de mim, e na condição de Editor Geral do Diário de Minas, liguei o gravador para juntos participarmos da homenagem ao grande Thales Ramalho.

Liguei o gravador e deixei o coração do professor Paulo Roberto Cardoso falar, com a emoção, com a verve e a poesia dele brotada como água cristalina.

Daqui por diante é ele quem fala em seu tom manso, de quem aprendeu e apreendeu muito sobre viver com Thales Ramalho. A política e o viver.

Vou narrar uma história – disse. Pois bem, nos anos 1970 cheguei à época de prestar o serviço militar. Como todo mineiro sempre tive pelo mar e a Marinha certa sedução o que me levou ao Recife. Meu irmão mais velho morava lá.

Nasci em Juiz de Fora, e talvez por isso tenha fascinação pelo mar. A intenção era prestar prova para o Colégio Naval, mas perdi os prazos por conta dos retardos próprios da juventude. Chegado ao Recife, de qualquer maneira me apresentei na Marinha. Não prestei serviço naquele momento, e esta é outra história que quero contar numa outra oportunidade.

No Recife, naqueles anos 70, inevitavelmente, eu fiquei seduzido e encantado pela cidade. Sempre me vem à memória poema de Manoel Bandeira, “Evocação do Recife”.

“Recife

Não a Veneza americana

Não a Mauritssatd dos armadores das Índias Ocidentais

Não o Recife dos Mascates

Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois —

Recife das revoluções libertárias

Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nada

Recife da minha infância...”

O poema é longo, mas fica aqui o convite a lê-lo.

Rememoro também uma crônica publicada à época na Folha de São Paulo, escrita pelo futuro presidente do Brasil José Sarney, que, tendo vivido na juventude no Recife, onde fez exames preparatórios para a Faculdade de Direito na Universidade Federal de Pernambuco, costumava dizer: “Ninguém conhece impunemente o Recife”. Uma verdade, que, em seguida, foi completada pelo verso: “Mulheres muitas, cidade apenas uma, ainda assim voltada para o mar”, do poeta Lêdo Ivo.

Para mim, Recife foi um caso de amor, fascinante, mas por mais encantador e surpreendente para um jovem montanhês, das Alterosas, como eu, teria ali, como tive, uma oportunidade de mudar definitivamente a vida. Ingressei no curso de Letras na Universidade Federal de Pernambuco e no curso de Direito na Universidade Católica de Pernambuco. Aos 18 anos, me dedicava aos estudos e, como era próprio da geração da época, que vivia momento histórico, fui atraído pela política estudantil e me tornei militante.

Recentemente, em final de dezembro de 2023, numa generosa lembrança da filha de Thales, Ana Clara Monteiro, fui convidado para o lançamento do livro do centenário de nascimento dele, ex-ministro, ex-deputado, jornalista e professor, Thales de Albuquerque Ramalho. Ele foi e é o meu encontro com o conceito grego de “Bela Alma”.

Fui seduzido pelo Recife. Tive o privilégio de ser conduzido por Thales Ramalho, por suas mãos generosas, de quem não só conheciam os meandros da cidade, mas também os seus mistérios e sua boemia. Ele vivia o Recife como uma poesia. Ele não só vivia o Recife, como fazia do viver em Recife uma verdadeira poesia.

Ele, professor de Literatura portuguesa, me possibilitou momentos que me marcaram pelo resto da vida; como me esquecer das madrugadas atravessadas, insones, na Nova Portuguesa, na Peixada do Lula ou no Máxime, pontos que assinalavam a vida da boemia recifense. Imagina, um jovem como eu, na época, tive a boa sorte de encontrar uma referência, uma amizade surpreendente entre um jovem perdido no Recife e Thales Ramalho que fazia de sua vida uma narrativa poética, literária. Apaixonado pela literatura portuguesa tive o privilégio de ter aulas de literatura, que jamais as teria se não fosse com um professor como ele. E não só de literatura, mas de vida.

Thales foi secretário do Diário de Pernambuco, editor do centenário Suplemento Literário, e nessa condição profissional, lançou os primeiros poemas de um certo José de Ribamar recém chegado do Maranhão, a quem a hegeliana astúcia da razão reservara, o título de presidente da República do Brasil, no lugar do falecido Tancredo Neves.

A vida generosamente me proporcionou um momento singular na noite do dia 14 de dezembro de 2023: Uma noite típica do verão recifense, o céu estrelado, no ambiente perfumado e agradável da Academia Pernambucana de Letras (APL), onde presenciei o lançamento do livro comemorativo “Thales Ramalho”.

Sou devedor de gratidão eterna pela lembrança da sua filha, Ana Clara Monteiro, ao enviar-me o convite para participar da festa justa e merecida em homenagem ao seu encantador pai. Ela me convidou para participar de uma festa proustiana porque foi o reencontro do melhor de minhas vivências e memórias afetivas. Ela, então, me solicitou, na oportunidade, umas palavras sobre Thales. Nada melhor me ocorreu do que utilizar o conceito romano de “Pater familias”, para retribuir a sua generosidade, quando eu tomei a liberdade de me apresentar a Ana Clara como seu irmão mineiro, devido a minha admiração e amor filial a seu pai

Na condição de mineiro, me julguei no dever e no direito de agradecer as mãos do artífice político Thales Ramalho, mãos que costuraram com habilidade os finos laços da tecitura que nos conduziram à transição democrática da Nova República, nos retirando da longa e tenebrosa noite do estado de exceção.

Thales teve mãos generosas que conduziram Minas Gerais ao poder por intermédio de Tancredo Neves. Ali estava o renascer da Democracia, para a qual o ourives Thales foi fundamental em todo o processo. A “Bela Alma” sempre foi de dialogar, independentemente das situações e divergências, com sua lendária tolerância superava com talento as idiossincrasias das exacerbadas paixões político ideológicas.

Olhando o Brasil dos nossos tempos, sinto a dor da saudade deixada por essa “Bela Alma”. Thales sorria, com seu olhar generoso, sem que nunca soubéssemos se ele sorria para nós ou de nós.

Digo: “Não viverá impunemente quem teve o privilégio de conhecer Thales Ramalho”.

A minha irmã Ana Clara Monteiro, agradeço pela generosidade de ter me proporcionado essa noite de tributo a memória que brilha nos céus da eternidade e que marcará para sempre a minha vida.

*Editor Geral do Diário de Minas

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Belo texto, emocionante! Quanta lembrança boa e que linda homenagem a Thales Ramalho, que me trouxe conhecimento a respeito e sim, verdade, as palavras do Professor Paulo Roberto sempre saem do coração, da alma, de uma força impressionante! Parabéns a todos e pela matéria!

Belo texto, emocionante! Quanta lembrança boa e que linda homenagem a Thales Ramalho, que me trouxe conhecimento a respeito e sim, verdade, as palavras do Professor Paulo Roberto sempre saem do coração, da alma, de uma força impressionante! Parabéns a todos e pela matéria!

Belo texto! O professor Thales Ramalho foi uma Figura impar.Parabéns ao dr. Paulo Roberto e Alberto Sena do DM.

 

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