
Créditos: Divulgação
22-08-2025 às 11h00
Marcelo Barros*
No início do século XX, o geógrafo britânico Halford Mackinder definiu que a chave do poder global estava no controle da Eurásia, o “coração do mundo”. Mais de um século depois, especialistas como Frank A. Rose, ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, afirmam que o novo “pivô da história” não é mais um território, mas sim um conjunto de tecnologias que moldarão o século XXI: inteligência artificial, computação quântica, semicondutores, biotecnologia e redes globais de informação.
Essa mudança de paradigma, contudo, não elimina o peso da geografia nem as incertezas radicais da história — temas centrais em dois livros fundamentais para compreender o mundo atual: “Prisioneiros da Geografia” (Tim Marshall) e “A Lógica do Cisne Negro” (Nassim Nicholas Taleb).
Geografia ainda importa – a visão de Tim Marshall
Em “Prisioneiros da Geografia”, o jornalista britânico mostra como fatores físicos — montanhas, rios, desertos e mares — continuam moldando fronteiras, alianças e conflitos. Rússia, China e Estados Unidos, por exemplo, não podem ser compreendidos sem considerar seus espaços vitais e barreiras naturais.
Ao cruzar Marshall com Rose, surge um ponto interessante: a tecnologia não substitui a geografia, mas a reinterpreta. Satélites, drones, cabos submarinos e redes 5G ampliam o alcance do poder, mas sua infraestrutura continua ancorada em locais estratégicos. Quem controla o território, controla também a rede que nele se apoia.
Incertezas e rupturas – a lição de Nassim Taleb
Se a geografia impõe limites e a tecnologia redefine possibilidades, as incertezas inesperadas são a terceira variável da equação. Em “A Lógica do Cisne Negro”, Taleb mostra como eventos improváveis e imprevisíveis — guerras relâmpago, pandemias, colapsos financeiros ou revoluções tecnológicas — podem transformar o mundo em questão de dias.
Aplicado ao debate de Rose, isso significa que a supremacia tecnológica não é linear nem garantida. A descoberta de uma nova fonte energética, um ataque cibernético devastador ou a perda repentina de confiança em uma cadeia global de suprimentos podem inverter o equilíbrio de poder de forma abrupta.
Convergência: geografia, tecnologia e incerteza
O que vemos, portanto, é uma tríplice interação:
- Geografia continua sendo o palco, lembrando que nações são moldadas por seus territórios (Marshall).
- Tecnologia é a nova alavanca de poder, capaz de transcender fronteiras e impor padrões globais (Rose).
- Incerteza é o fator desestabilizador, lembrando que nenhum modelo estratégico é infalível (Taleb).
No século XXI, os Estados que souberem conciliar infraestrutura geográfica, liderança tecnológica e resiliência diante do inesperado terão maiores condições de ditar as regras internacionais.
Minha reflexão sobre o tema
A tese de Frank A. Rose dialoga diretamente com Marshall e Taleb. Se no passado a Eurásiaera o “tabuleiro do poder”, hoje o novo “pivô da história” está nos laboratórios, startups e centros de inovação. Mas o fator humano — limitado pela geografia e vulnerável a choques imprevisíveis — ainda será decisivo.
Como resume Taleb, “a história não progride em linha reta, mas em saltos inesperados”. Nesse cenário, os EUA e a China, principais rivais tecnológicos, estão presos entre os limites da geografia, a corrida pela supremacia em IA e semicondutores e a ameaça constante de um “cisne negro” que pode redefinir o jogo global da noite para o dia.