
Daiana não conseguia se levantar, estava desmaiada, desfeita em choque. CRÉDITOS: Freepik
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27-03-2025 às 09h36
Rita Prates*
Daiana saiu do trabalho, passou em casa para tomar um banho relaxante e colocou uma roupa nova, comprada para a ocasião do seu aniversário. Tinha convidado mais duas amigas para festejarem na melhor boate da cidade. Merecia, trabalhava desde nova e agora que havia sido promovida aos vinte quatro anos, se sentia vitoriosa.
A boate estava cheia de jovens que se divertiam ao som de uma banda animada. Daiana e as amigas gostavam de frequentar a casa, sentiam-se seguras na boate porque conheciam boa parte da moçada. Ela queria que essa noite fosse especial pelo aniversário e pela promoção.
Brindava feliz com os amigos, ia para a pista dançar, deixava fluir a alegria das comemorações até que viu um jovem com um sorriso encantador. O rapaz se aproximou, pegou delicadamente na mão de Daiana e se apresentou.
O rapaz de pele morena, gentil, de sorriso claro e sedutor, e com olhos de rapina chamou Daiana para conversarem próximo ao balcão. Falou que estava encantado com o jeito dela sempre alegre e descontraído. Daiana contou que estava festejando o seu aniversário, e ele, solícito, lhe ofereceu um drink para brindarem aquele momento tão importante na vida da bela jovem.
As conversas animadas, as danças, as risadas se misturavam com mais e mais bebidas agora oferecidas não só pelo rapaz, mas também por um amigo que se juntou ao grupo. Como cavaleiros, disseram que as bebidas eram um presente deles para ela em especial. O copo da aniversariante não esvaziava, pois o rapaz com os olhos de rapina o enchia e brindava. A sua intenção era de deixá-la preparada para o bote que havia planejado desde que a viu, linda e sorridente entrar na boate.
Sentindo-se tonta, Daiana pediu para sentar em uma poltrona na parte interna da boate, era ali que os jovens se recompunham até o fogo diminuir. O rapaz de sorriso sedutor se ofereceu para acompanhá-la, e quando ela foi se ajeitar no sofá, ele a levou para o camarim do amigo músico, disse-lhe que lá ela estaria mais segura e que ele lhe faria companhia.
Ao chegar ao camarim o rapaz fechou a porta e a pegou nos braços e a beijou. Mesmo tonta Daiana sentiu que ele a apertava contra si. Nesse instante, teve um lapso de lucidez e pediu para ele parar, queria voltar para junto das amigas.
O moço de olhos de rapina a apertou com mais força e a beijou no pescoço. Puxou-a para perto dele e começou a se esfregar nela com furor, apalpando todo o seu corpo e apertando com força os seus seios.
Quando Daiana tentou se desvencilhar sentiu que não tinha energia, estava fraca com os efeitos da bebida. Ele rapidamente a deitou em um sofá. De relance ela viu que não estavam a sós, havia entrado no camarim o outro amigo do rapaz.
Pediu com a voz em súplica que fossem embora, mas o rapaz, antes gentil, arrancou-lhe as vestes com furor. Daiana, zonza e assustada, tentou empurrá-lo, mas ele a estuprou sorrindo. Violento, agia como um animal em um coito desenfreado, ferindo-a a cada penetração. Quando Daiana tentou gritar, o tarado pós a mão em sua boca e a sacudia com energia. Uivou como um lobo faminto e o riso sedutor agora era de uma hiena enlouquecida.
Ela notou que o corpo pesado da fera aos poucos se afastou do seu. Sentiu-se enfraquecida, evaporando na luz de neon do camarim. Tentou puxar com força o ar que lhe escapulia, mas de repente sentiu que mãos sinistras lhe viravam no sofá como a um trapo. Percebeu com temor que o amigo dos olhos de rapina se debruçou sobre ela com o mesmo olhar de tarado do estuprador.
O jovem estava enlouquecido de tesão, ela desfeita em pó não tinha reação, só nojo. Notou que ele a mordia com cheiro de álcool. Novamente foi penetrada com violência, parecia que ia se rompendo aos poucos, como um ferro em brasa a queimá-la por dentro. Semi desfalecida, sentiu que parte dela se desfazia em dor, e que nas suas coxas ficariam gravadas para sempre as marcas de mãos asquerosas que a apertavam.
Com os olhos embaçados Daiana não viu que havia mais quatro amigos do jovem de sorriso encantador esperando a vez deles para acabar de destruí-la, um a um. Já desfeita em pedaços sentiu mãos que lhe apertavam todo o corpo, e a penetravam com violência e a feriam sem dó. Eles juntos usaram o seu corpo inerte, faziam de tudo, torciam, retorciam até se saciarem como vermes comendo a carne em decomposição.
Daiana não conseguia se levantar, estava desmaiada, desfeita em choque. A encontraram desfalecida, descabelada, com a roupa nova rasgada e em desalinho, e com sangue pelo corpo e pela alma. No camarim, tarados selvagens deixaram um cheiro forte de violência física e psicológica que exalava da jovem inerte e bela.
Daiana passou dias tentando se recuperar, talvez passe anos ou talvez nunca se recupere. Tinha todas as dores do corpo e da alma, estava destruída na sua essência de mulher.
Deprimida, chorava muito. Não conseguia apagar as cenas que lhe vinham à mente como um tsunami invadindo a suas veias, deixando rastros de violência pelo seu corpo até paralisá-la de medo. Então, amargurada, constatava que os encantos dos seus vinte quatro anos estavam dissolvidos em mãos criminosas que lhe roubaram a alegria do prazer de viver.
Estava condenada às imagens nebulosas das agressões que sofreu; estava condenada a culpa de confiar em um homem que se apresentava gentil, mas que era um traiçoeiro pervertido; estava condenada a ficar arisca com todos que se aproximassem dela; e estava condenada aos pesadelos e sofrimentos impostos pelos comentários maldosos de que ela era a culpada por ser mulher e oferecida. Queriam condená-la a carregar o peso daquela noite de estupro como uma pecadora, merecedora de ir para a fogueira.
Os estupradores sentiam-se acobertados pela capa da fama, de serem machos idolatrados, que se vangloriam de seus atos, mesmo profanos. Em coro tentaram desonrá-la, diziam que a noitada foi consensual, afinal ela estava completamente bêbada.
Daiana rompeu o silêncio de sua dor e com uma coragem descomunal, expôs todo o seu sofrimento, sua humilhação, sua angústia, sua culpa em confiar sem desconfiar.
Enfrentou tudo e a todos para os verem condenados. Calada, ouvia a defesa tentar denegrir a sua imagem quando alegava da sua vestimenta, da bebedeira e da sua alegria excessiva naquela noite. Controlava as lágrimas teimosas que se manifestavam, quando ouvia os absurdos para desmoralizá-la. Se o vestido justo a condenava, então a maioria das moças que frequentam a boate são todas oferecidas? Quem naquela sala nunca bebeu ou ficou alterado em uma festa? Quem não fica feliz em festejar o seu aniversário com amigos?
Calou-se, sofrida em recordações que a perseguem desde aquela noite de atrocidades. Cenas malditas surgem como fantasmas apertando os seus seios, abrindo as suas pernas, penetrando em seu corpo como uma faca dilacerando as suas entranhas e a sufocando até acordar em pânico.
O rapaz de sorriso encantador de olhos de rapina, que só queria dar o bote e comer a sua vítima, foi condenado junto com a sua gangue à prisão. Foi uma luta de anos em diversos tribunais. Para Diana a sentença de prisão para os estupradores lhe trouxe uma certa reparação, e uma vitória não só dela, mas de todas as mulheres estupradas.
O estuprador de sorriso encantador e olhos de rapina fugiu para o seio da pátria envergonhada. A indignação exposta na mídia o colocou na prisão. Como praga maldita, eles serão sempre lembrados e apontados como estupradores, e essa marca os acompanhará por toda vida.
Apesar de ser um crime inafiançável e hediondo, procuram sair da prisão com a complacência do descumprimento da lei.
* Rita Prates é Escritora