Reflexões filosóficas na modernidade: a dor de não fazer parte da comunidade, o desemprego, o desalento. Tudo isso e mais algumas coisas as vítimas passam no dia a dia
27-11-2024 às 09h:54
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Nunca se falou tanto em dor psíquica. A modernidade consegue como nunca mobilizar insatisfação, dor, sofrimento. Fica a pergunta: por que na contemporaneidade tantas pessoas adoecem?
Importante refletir que um traço da modernidade é a instalação de padrões de desejo, por vezes, inalcançáveis e que levam ao adoecimento, inconformismo, descontentamento. Há uma engenharia social da desigualdade de renda e de oportunidades, que são dados reais, perceptíveis e incontestáveis, sob muitos aspectos.
Há uma pretensa imagem de liberdade incondicional, mas não é bem assim que as coisas se conformam. Todos são livres, por exemplo, para viajar para onde lhes aprouver, porém, uma pequena parcela de pessoas tem de fato condições materiais, econômicas, para fazer escolhas como esta, outros não têm a mesma disponibilidade financeira, na práxis. Para estes é até possível viajar para um lugar caro, não obstante, isto vai custar muito sacrifício. Será que contrair uma dívida desta faz sentido, face às outras necessidades elementares?
É inegável, que o conceito de liberdade, como qualquer outro, comporta limitadores na prática. Os discursos que apregoam uma suposta liberdade incondicional, são proferidos de modo, preponderantemente, engenhoso e até tendencioso.
Não é raro observar o discurso nas empresas, de que o empregado deve se engajar em seu trabalho, porém as falas podem ser performativas, eloquentes e convincentes. O que não apaga a realidade de que o trabalhador, mesmo ao se engajar, laborar e dedicar, pode um dia, sem maiores explicações, ser desligado do quadro de funcionários da empresa, sem delongas.
Não é à toa, que os fármacos, estão cada vez mais servindo como suposta tábua de salvação para um mundo brutal, que coloca a má performance nas costas das pessoas, tornando-as responsáveis totais por seu fracasso financeiro, profissional e emocional, por exemplo.
A mobilização de um discurso psicologicamente orquestrado, de fracasso do sujeito, de que este não deu conta de progredir, de “vencer na vida”, leva-o ao adoecimento, a um sentimento de incapacidade.
Este indivíduo, questiona-se: por que não estou empregado, qual o problema? Por que não estou adaptado e inserido no conjunto da sociedade?
O discurso de fracasso lhe dói a alma, lhe corrói a carne. Fica a indagação: existe conjunto social, coletivo? Ou tudo se desfez na exacerbação do individualismo, do egoísmo?
No que tange à classe trabalhadora, há uma perpétua situação de escassez de postos de trabalho e recursos que a leva a trabalhar compulsivamente e a se sujeitar a tudo, diante do medo da miséria, do desemprego.
Diante da ausência de postos de trabalho, da não colocação em lugar nenhum, da não adaptação, resta a doença, o sofrimento psíquico, a culpa por não se adaptar, não se inserir. Por vezes, para estes sujeitos são prescritos tratamentos com fármacos. Outras vezes, são aconselhados a se tornarem empresários, empreender, tentar por conta própria se inserir, conseguir abrir seus próprios caminhos, “se fazer”. Desbravar as próprias trajetórias.
A mobilização afetiva do medo, adoece. Padecer de transtornos e confusões mentais é o resultado do medo do desemprego, de não “estar pregado”, empregado a um vínculo que lhe conceda alguma garantia de sobrevivência. Isto é enlouquecedor, pesado, injusto, desumano.
Reconfigurar a percepção do fracasso, realocar como valor a necessidade do cidadão de se inserir em seu meio social é essencial. Aquele que estava à margem, marginalizado, não integrado, necessita se integrar, voltar ao grupo.
É elemento crucial a regulação emocional do indivíduo, lhe inserir e absorver na sociedade, que deve ser inclusiva, aberta a oportunidades.
A tristeza de não fazer parte, não estar inserido, o drama da culpa, o terreno movediço da dor, da inadaptação, enlouquece, fere de morte.
Diante da não adaptação, resta, enfim, buscar meios de reinserir-se. Para a dor de viver, buscar um projeto de vida, algo que lhe faça sentido, a alegria, um sorriso. É preciso se perdoar. A vida é curta demais. É urgente buscar mecanismos de não flagelação, encontrar meios para não viver imerso no caos, sair da lama, reencontrar a luz.
Que o trabalho seja meio de vida, não compulsão que adoece. Dias melhores sempre!
*Daniela é Doutora, Mestra e Especialista pela UFMG. Professora e Pesquisadora com ênfase nos estudos sobre o Direito do Trabalho, Filosofia do Direito e Linguagem. Colunista do Diário de Minas.