Serra do Curral sempre foi motivo de cobiça dos mineradores de ferro
Novidade mesmo é o fato de o presidente da Associação dos Mineradores de Ferro do Brasil (AMF), João Alberto Paixão Lages ser apontado pelo Ministério Público como um dos destruidores da Serra do Curral
09-10-2023 às 09:h.00
Direto da Redação
Na década de 1970, quando o País vivia sob o peso do coturno militar, a empresa chamada Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), que contava com o apoio do então governo, cogitou explorar o frontispício da Serra do Curral, em Belo Horizonte, bem na direção da paisagem de quem pode apreciá-la da Avenida Afonso Pena. Se a empresa continuasse com o seu intento, na época, em 15 anos um bom trecho do nosso cartão postal iria desaparecer e o ponto ficaria ao nível da Praça Rui Barbosa, também chamada de Praça da Estação Ferroviária.
A Serra do Curral, que na verdade é uma sequência da nossa única cordilheira, a do Espinhaço, que nasce na Bahia e vem se espichando, passa por Diamantina, Grão Mogol e chega a Belo Horizonte, não é conhecida pelos nativos desta terra, que desconhecem as belezas intrínsecas do que é um monumento natural de rara beleza.
Foi fundamental, uma reportagem por mim publicada no jornal Estado de Minas, matéria editada pelo falecido jornalista e escritor, Roberto Drummond, lida no Rio de Janeiro pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, e o inspirou a escrever o poema “Triste Horizonte”, que está gravado em ferro na entrada do Parque da Serra do Curral, no outro extremo do Parque das Mangabeiras.
Por meio da reportagem e do poema de Drummond, a MBR desistiu de acabar com a sequência da serra e foi buscar tecnologia na Europa. Passou a explorar por bancadas, atrás dela, onde abriu um buraco de cerca de 300 metros de profundidade, que ainda hoje está sendo preenchido por água de um córrego e só ficará cheio em 2025.
Estou contando isso porque a Serra do Curral sempre foi vítima da ambição dos empresários mineradores, de olho em suas riquezas sem se importarem com a questão socioambiental. E é sobre esse assunto que irei focar daqui para frente.
Dentre as empresas mais autuadas por infrações ambientais em Minas Gerais, a “Fleurs”, nome do grupo empresarial de Alan Cavalcante Nascimento, figura em terceiro lugar, no período de 2018 a 2023.
Em 2020, fiscais da Secretaria de Meio Ambiente de Minas (Semad) flagraram uma de suas empresas fazendo extração ilegal de minério de ferro na Serra do Curral.
Na ocasião, a Polícia Federal entrou no caso e levantou suspeitas sobre essa relação do empresário com dezenas de sócios. Em relatório com a chancela dos agentes Welington Fonseca e Jorge Dexheimer Pereira da Silva Júnior, segundo a revista, “vários desses atuais sócios das empresas investigadas são apenas “laranjas”. Eles não dispõem de condições financeiras “nem tampouco conhecimento técnico no ramo de mineração e nem administrativo para gerirem as empresas.”
A revista Piauí, edição do dia 06 publicou uma grande e bem fundamentada reportagem que denuncia a gana do empresário alagoano chamado Alan Cavalcante do Nascimento, considerado na reportagem assinada pelo jornalista Alan de Abreu, que destrincha toda a acelerada carreira do minerador alagoano, com fortes ramificações em Minas, Belo Horizonte especialmente, porque ele, apoiado por sócios locais – e um deles é João Alberto Paixão Lages, ex-deputado estadual (MDB) por Minas, atual presidente da Associação dos Mineradores de Ferro (AMF).
Alan foi autuado 18 vezes e multado em R$ 2,6 milhões, segundo a revista, “por captar sem autorização a água de um rio e por desmatar pelo menos 67 hectares na Serra do Curral, reduzindo a mata nativa a imensas cavas”.
Outras estranhezas são atribuídas a Cavalcante, como empresas do grupo que teriam sede em Maceió, mas em endereços inexistentes. E uma outra denominada Nala Participações, na periferia de Arapiraca, interior de Alagoas, cujos moradores do imóvel disseram nunca terem ouvido falar da empresa e do empresário.
Em nome de Nala Participações, em dezembro de 2021, Cavalcante comprara por R$ 12,3 milhões, à vista, uma casa de 1 mil m2 em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte.
O Ministério Público concluiu, em fevereiro deste ano, uma apuração sobre a exploração irregular de minério de ferro por parte dos integrantes desse imbróglio sob a liderança de Cavalcante. Denunciou 18 pessoas e empresas à Justiça Federal, em Belo Horizonte, por crime ambiental e usurpação de bens da União.
Entre os denunciados, estão José Antônio Silva, João Alberto Paixão Lages, presidente da Associação dos Mineradores de Ferro (AMF), e todo o grupo Fleurs, além do próprio Cavalcante e sua esposa, Monica, cujo nome aparece em algumas empresas.
Outro inquérito da Polícia Federal que investiga crimes relacionados à teia engendrada por Cavalcante, como crime ambiental e lavagem de dinheiro, continua em andamento. A “Gute Sicht”, mineradora de Cavalcante, em maio de 2021 conseguiu um Termo de Ajustamento de Conduta, o TAC, com a secretária Marília Melo, da Semad, para continuar operando na Serra do Curral. O mundo inteiro sabe que essa é uma região especial, um corredor ecológico, tanto que tramita no Congresso projeto de lei que prevê a transformação dela em um parque nacional.
Mas segundo o inquérito da Polícia Federal, João Lages é proprietário de fato da Mineradora Gute Sicht Ltda desde 30 de janeiro de 2020. Ele também é apontado como o seu administrador.
O que causa mais estranheza é ele ser presidente da AMF, que criou e inaugurou com uma forte presença de integrantes de todos os poderes numa demonstração de prestígio. Mas logo surgiu a denúncia relacionada com a Mineradora Gute Sicht, o que soou como uma contradição, diante do apoio recebido e o seu envolvimento em um rumoroso caso de sociedade com Alan Cavalcante Nascimento.
1 Comentário
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo
Nome
|
E-mail
|
Localização
|
|
Comentário
|
|
Os governos de Minas sempre foram coniventes com as mineradoras.É muito dinheiro em impostos que pode perder. Veja o exemplo da Vale.A reação tem que partir do povo.