
14-02-2025 às 09h58
Rogério Reis Devisate*
Sem planejamento e orçamento claros, gastaremos sem saber das prioridades e investiremos mal o nosso dinheiro. Poderemos gastar com cervejinha ou outras distrações e comprar coisas fúteis, desprestigiando despesas fundamentais como o pagamento da conta de luz e de água, a compra de alimentos e a reserva do dinheiro para os remédios e as passagens. No fim, pode haver falta de dinheiro para coisas importantes e superendividamento.
Com os governos não é diferente. Os governos não podem gastar de modo descontrolado como fez o Rei da França, que endividou o país e muito sacrificou o faminto povo francês, que saiu às ruas, fazendo explodir a Revolução Francesa. De tanto gastar dinheiro, o rei perdeu a cabeça na guilhotina, assim como muitos da Corte, que usufruíam desses gastos governamentais.
Os governos ocidentais, modernos e democráticos, não são “cheques em branco” e os governantes são freados pela Constituição, que precisam cumprir.
A nossa Constituição Federal, no seu art. 165, exige uma lei orçamentária anual para a definição de como o dinheiro dos tributos será gasto e investido no ano seguinte. Portanto, é o Poder Executivo que tem o papel de, anualmente, submeter ao Congresso Nacional a sua pretensão de usar o dinheiro público para cuidar das nossas vidas e gerir o país, inclusive com a função de “reduzir desigualdades inter-regionais”, na forma do Parágrafo 7º, do art. 165.
Ocorre que, no ano de 2024, o Congresso Nacional não votou a lei orçamentária para 2025 e, assim, o governo federal está operando sem essa regra fundamental. Sem orçamento, não pode fazer certos gastos e investimentos.
Engessada está a Nação e quem define isso é o art. 167, inciso I, da Constituição Federal, que veda “o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual”.
Curiosamente, ainda que sem orçamento aprovado, o Tribunal de Contas da União – TCU concedeu prazo de 120 dias para que o governo inclua o “Pé-de-Meia” no orçamento… E mais: deliberou que a execução desse programa possa ser feita ainda que sem previsão orçamentária, até que o Congresso delibere a respeito. São gastos de cerca de 6 bilhões de reais – sem orçamento!
A paralização do governo só não é total porque se pode fazer gastos com obrigações constitucionais e legais da União, previdência, saúde e pessoal, dentre outras, para assegurar o funcionamento da estrutura e não se prejudicar o povo, razão de ser de tudo, até por viger o princípio da continuidade do serviço público, indicando que não pode tudo parar repentinamente. A roda deve girar.
Contudo, não só o Congresso Nacional não aprovou o orçamento de 2025 como emitiu forte diretriz ao governo federal, ao aprovar o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLN 3/24) “com uma meta fiscal de déficit zero para 2025”.
Assim, criou-se um hiato. Há direcionamento por meta fiscal com déficit zero, mas não há, formalmente, receitas e despesas estimadas e, portanto, não se sabe ao certo quanto se arrecadará e gastará e nem como se chegará a esse resultado.
A meta de déficit zero depende dessas contas e como o governo não pode descumprir essa meta do Parlamento, o atraso no orçamento pode soar providencial.
Ademais, sem o ajuste entre previsões de receita e despesa, fica evidenciado que não se tem como gastar além do óbvio, como acima exemplificado.
Curiosamente, o povo não parece preocupado – talvez porque não bem informado a respeito dessas implicações.
Todavia, mesmo o mais desinformado cidadão compreende que o governo não pode gastar ser ter o dinheiro.
Há um dogma a esse respeito e clara razão de segurança da população contra governos, para que estes não gastem mais do que arrecadam.
Isso envolve o planejamento fiscal e especialistas cogitam a possibilidade de ocorrer contingenciamento da ordem de 10 a 15 bilhões de reais para o equilíbrio nas contas públicas.
Enfim, sinal dos tempos. Estamos em momento ímpar, sem orçamento aprovado, com o projeto da LDO indicando meta fiscal zero para 2025, os Estados Unidos fixando tarifas de 25% sobre a exportação de produtos brasileiros e a alta no preço dos alimentos no Brasil.
Cenário complexo e que exige rígido ajuste nas contas públicas, sob pena de tomarmos qualquer caminho, mesmo sem saber para onde este nos levaria. Reflitamos que isso soa como algo que escreveu Lewis Carroll, no clássico Alice no País das Maravilhas: “Quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”.
A questão nem é sobre percorrer caminhos desconhecidos. A questão é que opções erradas envolvem desperdício de tempo e de dinheiro. E, quando se fala em caminhos errados por atores governamentais, a conta não é paga por eles, ficando com a população.
Então, é fundamental que o governo obtenha logo a lei orçamentária e que possa obrar segundo as suas previsões e licenças. O país não pode se dar ao luxo de esperar.
*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.