
Vi que uma rosa amarela me fora atirada aos pés. CRÉDITOS: Divulgação
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25-03-2025 às 09h52
Henrique German*
Sempre fui usuário do serviço de táxis, hoje, naturalmente, locomovo-me, em qualquer cidade, aqui e pelo mundo, necessariamente por esse meio de transporte público, em geral, muito seguro, pontual, confiável e confortável, guardadas as exceções de estilo, como em todos os campos da vida.
Muitos anos atrás, cerca de vinte, estando eu na avenida Olegário Maciel, na calçada de um grande centro comercial, bem onde ficava o velho campo do Atlético Mineiro, resolvi tomar um táxi, no ponto ali ainda agora existente, a fim de deslocar-me ao vizinho bairro Gutierrez, no qual deveria encontrar-me com minha mulher e meu filho.
Aproximei-me do ponto, no belo final de tarde, e, inclinando-me à janela do primeiro táxi colocado na fila, indaguei ao motorista se não se importaria em fazer uma corrida curta, logo ali pertinho, até a rua André Cavalcanti; o taxista fez que não se incomodava, convidando-me a embarcar, o que fiz de pronto, no banco da frente, ao lado dele.
O homem arrancou com o veículo, seguindo pela avenida Olegário Maciel, como deveria; na altura da rua Martim de Carvalho, quase na orla da praça Carlos Chagas, o semáforo se fechou, nada demais, fazendo-nos permanecer ali, parados, por certo tempo.
Admirando a noite que começava a cobrir o mundo, eu olhava para fora, para a ponta da praça, para os poucos transeuntes, porém não deixava de notar, com o canto do olho, que o motorista mexia em qualquer coisa na sua porta, dizendo melhor, entre o banco dele e a porta do carro. Obviamente, não dei importância ao fato, somente percebi que ocorria.
O sinal ainda não se abrira quando, de repente, virando-se para mim, rapidamente, o taxista me apresentou um objeto: tratava-se de uma linda rosa amarela. Colhido de surpresa, perguntei ao homem o que era aquilo e, então, seguiu-se um diálogo rápido e, em certa medida, também surreal:
– Isto é uma rosa.
– Estou vendo.
Respondi e acrescentei:
– Para que a rosa?
– Para que, não. Para quem, querido. É para você!
O taxista sorriu.
O sinal ficou verde. Eu não apanhei a rosa, e o motorista se pôs a dirigir com ela na mão, insistindo:
– É para você!
– Eu não quero.
Disse entre agastado e constrangido.
– Mas eu estou lhe dando!
O taxista fechou a cara.
– Mas eu não quero!
Respondi, com a cara péssima, pior que a dele, a voz alterada e a disposição para o confronto físico já em alta rotação. Em seguida, emendei, quando percorríamos a avenida Álvares Cabral, no Santo Agostinho:
– O senhor encoste aí, que eu vou descer. A corrida acabou.
O homem, de quem eu não tirava os olhos, preparado para tudo, mesmo para fazê-lo bater o táxi, se fosse o caso, pareceu ter um ligeiro estremecimento. Ele, então, disse, amuado, já entrando na avenida Raja Gabaglia:
– Não precisa descer, eu o levarei.
Confesso que, não sei bem a razão, fiquei com um pouco de pena do camarada e, descendo a rua Herculano de Freitas, eu falei:
– Posso levar essa rosa para a minha mulher, porque ela gostará.
O taxista fez um muxoxo, meio ofendido.
– Para a sua esposa, não. A rosa é para você!
A pena que eu sentia esvaneceu-se, instantaneamente.
– Pois eu não quero!
Vociferei.
Desse modo, chegamos ao destino, após a insólita viagem, desconhecidos e inimigos. Paguei e não esperei o troco, saltando do automóvel ao mesmo tempo em que atirava o dinheiro sobre o banco.
Mal bati a porta do veículo, não sem estrondo, e, observando-o afastar-se, vi que uma rosa amarela me fora atirada aos pés.
* Henrique German é Promotor de justiça aposentado e autor de mais de duas dezenas de livros de literatura.
Ele é candidato a uma vaga na Academia Mineira de Letras (AML).