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O processo de conhecimento das pessoas tem muitas variáveis. CRÉDITOS: Freepik
21-02-2025 às 10h15
Caio Brandão*
Estou na busca de método alternativo de raciocínio, para encontrar conclusões verdadeiras e úteis. Os métodos indutivo e dedutivo enfrentam atualmente obstáculos ao seu emprego, haja vista que as premissas, em geral, não mais são confiáveis. Se o meu objetivo é alcançar conclusão verdadeira, então devo partir de premissas também verdadeiras. O problema está em encontrar premissas confiáveis, para levar o raciocínio a bom termo. Digo isso, porque os pontos de vista opostos perderam a condição de convivência, em face de cada lado acreditar apenas naquilo que lhe parece certo, e achar que tudo o mais é invenção, mentira, falsidade e manipulação, especialmente através dos recursos da informática e da inteligência artificial. Isto para não falar na “imprensa corrupta e tendenciosa”.
Qualquer foto, texto ou gravação desfavorável a algo ou alguém da preferência de qualquer pessoa, de pronto lhe parecerá algo manipulado e sem valor. As pessoas simplesmente consagram no altar das suas convicções os seus entes ungidos, criam os seus dogmas, e pronto. A imagem está feita e acabada seja o preferido político, religioso, locutor de rádio ou apresentador de televisão, não importa. O sujeito é de fato, o que o seu admirador acredita que ele seja, e acabou”. E, assim, começam as desavenças entre amigos, familiares e até entre casais.
No tocante a políticos essa questão ganha contornos exagerados. Alguns são impermeáveis a qualquer nódoa, porque nada lhes mancha a reputação, enquanto outros tantos tornam-se inoxidáveis, porque não envelhecem e vão seguindo eleitos pela vida afora. O jogador de futebol que, no motel, levou horas para descobrir que seus acompanhantes eram travestis está protegido na sua cuidadosa averiguação. Os fãs entenderam que essa dificuldade é plausível e que está dentro do razoável. Logo, o jogador foi apenas vítima inocente em mãos perversas e mal-intencionadas, mas livrou-se a tempo do perrengue e o assunto virou apenas piada de ocasião, divertida e sem consequências. Salvaram-se todos.
Faço essa reflexão em face de tema atual e de grande repercussão, referindo-me à denúncia oferecida ao STF pelo Procurador Geral da República, na questão relativa “à tentativa de golpe perpetrada no limiar do governo anterior”.
Recebi cópia do documento logo após ter sido o mesmo protocolizado no Supremo. Estou lendo a peça devagar, procurando entendê-la na forma como foi construída e mediante análise dos argumentos na mesma esposados, bem como a conveniência da jurisprudência incorporada. Afinal, trata-se de petição elaborada a muitas mãos, por procuradores da República, documento que sofrerá o crivo não apenas da mais alta Corte do país, como também da sociedade em geral, nela incluídos a Câmara Federal e o Senado. Um trabalho de fôlego, certamente, e que se fará presente não apenas nos arquivos do judiciário, mas também nos livros de história.
Em que pese a oportunidade de enviar a cópia do documento para uns poucos, em face de à maioria não interessar a leitura, porque já tem firmado o seu ponto de vista, entendi que repassar para advogados e empresários da minha convivência seria conveniente. Afinal, em sendo o Direito contraditório, permitindo às partes expor os seus argumentos, provas e demais conveniências, buscando o convencimento do Judiciário naquilo que for de seu interesse, trata-se, o documento em questão, de oportunidade única.
Mas, não deu certo. Alguns me chamaram de petista, outros de bolsonarista. Um me pediu, encarecidamente, para não mais lhe enviar esse tipo de “lixo” – texto que sequer pelo mesmo foi lido -, enquanto que uma amiga disse, simplesmente: “Querido, estamos em lados opostos”.
Ora, sobre o documento que enviei não emiti nenhum juízo de valor, até porque ainda estava tentando entendê-lo. Também não poderia considerar lixo uma peça elaborada por talentosos procuradores da República e, ademais, não estou de lado nenhum. Sou apenas um curioso das letras e dos temas jurídicos mais instigantes, particularmente da peça que busca incriminar tantas figuras proeminentes de nosso país.
O carismático Fernando Gabeira, carioca do brejo, porque nasceu em Juiz de Fora, e que tem no seu currículo passagens contempladas com fortes emoções, inclusive no tocante ao período posterior a 64, e atualmente é comentarista de telejornais das Rede Globo, contou em entrevista por ele concedida a revista nacional, há alguns anos, que: “alguns acham que eu sou veado; outros acham que eu sou maconheiro e, com bom-humor, completa: e a maioria acha que eu sou maconheiro e veado”. Gabeira esbanja talento, foi deputado federal em quatro legislaturas, eleito pela gente da terra que acolheu a família real na Quinta da Boa Vista, e não está nem um pouco preocupado com o que pensam sobre ele.
O processo de conhecimento das pessoas tem muitas variáveis, sendo influenciado por inúmeros fatores que interagem entre si. A lógica e a razão deveriam estar presentes, mediante a avaliação de dados, argumentos, provas, estudos, pesquisas e o raciocínio, fator preponderante. Se não houver raciocínio, então nenhum argumento terá importância. Mas, no tempo atual, o que parece preponderar é a emoção, temperada pela empatia, a credibilidade – faculdade própria de alguns contadores de histórias -, o meio, a consistência na defesa de argumentos esposados por terceiros, a repetição e outros tantos quesitos. Enfim, como saber? Porque cada um está no seu quadrado.
O país, infelizmente, continua divido em dois lados. Um dia alguém perguntou ao sábio: “Qual é o tamanho de um pedaço de barbante? O sábio, com gentileza, respondeu prontamente: “É o dobro da sua metade”. Este, também, é o tamanho do Brasil, a soma das suas forças em prol de uma sociedade mais justa, mais progressista e capaz de acolher todas as tendências e somá-las em prol de um lugar cada vez melhor para se viver. Complicado? Nem tanto, um verdadeiro líder poderá nos mostrar o caminho. Que ele venha logo, porque está difícil.
* Caio Brandão é jornalista