
O trabalho de Sansão Pereira doado aos acreanos passou por outros zelos. CRÉDITOS: Divulgação
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18-03-2025 às 09h27
Elson Martins*
Quem olha a enorme tela de 6 metros de largura por 9 de altura que o artista plástico Sansão Pereira pintou e doou ao Governo do Acre, para ser colocada à entrada do Palácio Rio Branco com uma cena épica da Revolução Acreana, se pergunta logo: Como ele a produziu, aos 80 anos de idade, em seu pequeno atelier no Rio de Janeiro? Teria utilizado um enorme cavalete com diferentes degraus?
O cavalete hipotético era o de menos. Na verdade, o esforço do excepcional artista acreano para produzir a peça que teria custado no mercado de obras de arte algo em torno de R$ 500 mil exigiu experiência e vontade inimagináveis.
A primeira dificuldade de Sansão foi encontrar uma tela grossa capaz de suportar uma base com cinco demandas de tinta e o seu próprio peso. Tal tela não existe nas prateleiras em nenhum comércio do mundo. O artista, entretanto, foi resolver o problema em Manaus, onde escolheu a juta para substituir o linho geralmente utilizado.
O passo seguinte foi procurar uma tecelagem em São Paulo. A maior tinha a capacidade de fazer um tecido de 3 metros de largura. Isso colocava uma nova dificuldade: juntar os pedaços para obter uma tela com 6 metros.
Uma tradicional cerzideira de Campos, no Rio de Janeiro foi convocada, porque a emenda não podia deixar marcas. Ela cerziu quase 9 metros sem deixar rastro.
Quando a tela atingiu a largura e a altura ideais, Sansão teve que mandar construir um chassi para esticá-la e passar as cinco demandas de tinta que serviriam de base. Depois, precisou comprar um tubo de plástico de 2 metros de diâmetro para enfiar nele a tela em rolo e transporta-la para o seu atelier. Sim, para o atelier no oitavo andar de um prédio do Rio de Janeiro, no qual o enorme tubo só poderia entrar pela janela.
Mas as dificuldades não haviam terminado. A sala onde o artista trabalha, com pé direito de 2,5 metros, não comportava a tela esticada naquelas dimensões (6mx9m). Tudo bem para o extraordinário Sansão, bíblico até no nome. Ele trabalharia nela desdobrando-a aos poucos. Para isso, desenhou e pintou uma miniatura da tela e a projetou para o tamanho desejado, em etapas, fotografando cada uma delas antes da dobra seguinte.
Ou seja, Sansão não se afastava para apreciar sua obra em execução, por inteira, mas o fazia através dos sucessivos registros fotográficos.
Conforme ele próprio me afirmou, só viu a obra completa e bela quando a cortina que a encobria foi descerrada no dia 6 de agosto de 2003, na inauguração do painel no Palácio Rio Branco. Uma rara emoção!
O trabalho de Sansão Pereira doado aos acreanos passou por outros zelos: a tinta
utilizada foi importada da Inglaterra, por 2.500 dólares com mais 160% de imposto de importação. E a moldura, encomendada a uma empresa do Paraná, foi feita em betume com folhas de ouro. A explicação para tanto esforço, amor e arte (trabalhou 5 meses, 10 horas por dia para completar a tela) só pode estar na sua origem: Sansão nasceu no seringal Capatará, que pertenceu a Plácido de Castro e foi cenário da cena que pintou. Ali próximo, o herói foi emboscado e assassinado há cem anos.
No segundo semestre de 2006, nosso herói do pincel e das tintas pintou a criação do mundo na catedral N.S. de Nazaré, um painel de mais de 100 metros quadrados que serve de fundo a uma escultura de Jesus Cristo feita em madeira. Mas não pensem que esta seja sua maior obra, já que o extraordinário acreano formado em engenharia eletrônica e que se mudou para as artes plásticas tornando-se impressionista por acaso (ao aproveitar as horas vagas numa cidade norte-americana onde viveu, para frequentar uma escolinha de artes), chegou aos 84 anos com seus sonhos enormes.
* Elson Martins é jornalista acreano