Maior floresta de eucaliptos do mundo, Alto Jequitinhonha
24-10-2025 às 13h00
Soelson B. Araújo
Em um movimento histórico para a política ambiental brasileira, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou o maior financiamento já realizado pelo Fundo Clima: R$ 250 milhões destinados à restauração de 24,3 mil hectares de áreas degradadas nos biomas Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia.
Os recursos serão aplicados pela Suzano, maior produtora global de celulose, que utilizará o montante para promover a regularização ambiental de cerca de mil propriedades rurais. O projeto prevê recuperação de nascentes, recomposição de vegetação nativa, criação de corredores ecológicos e sequestro anual de cerca de 228 mil toneladas de CO₂ equivalente.
Apesar do avanço ambiental, o financiamento reacende um debate controverso: o papel das grandes corporações do setor de papel e celulose na própria degradação ambiental que agora buscam reparar.
Impactos da monocultura de eucalipto
Pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) apontam que as plantações de eucalipto estão associadas a uma redução de quase 30% na biodiversidade de invertebrados bentônicos, organismos essenciais para a saúde dos ecossistemas aquáticos.
Já estudos da Universidade Estadual de Goiás (UEG), publicados no periódico Research, Society and Development, destacam que o alto consumo de água das plantações pode provocar erosão, compactação do solo e aumento das temperaturas superficiais, deixando o terreno mais vulnerável à chuva e à perda de nutrientes.
Outro fator de preocupação é a liberação de compostos alelopáticos — substâncias químicas presentes nas folhas e resíduos do eucalipto — que, ao se acumularem nos cursos d’água, alteram a qualidade da água e afetam a fauna aquática.
O caso do Vale do Jequitinhonha: florestas que secam rios

Rio Araçuaí entre o Alto e Médio Jequitinhonha
No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, os impactos do avanço do eucalipto já são visíveis há décadas. A região, uma das mais pobres e áridas do estado, viu centenas de nascentes e mananciais desaparecerem, comprometendo a vazão dos principais rios, como o Jequitinhonha, Araçuaí, Itamarandiba, Fanado e Soledade.
Estudos realizados pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e por organizações socioambientais apontam que o eucalipto reduz drasticamente a recarga de aquíferos e a infiltração de água no solo, levando ao rebaixamento de lençóis freáticos e à morte de veredas, formações vegetais típicas do Cerrado.
Um levantamento do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) revelou que mais de 60% da área rural do Alto Jequitinhonha está ocupada por monoculturas de eucalipto, substituindo o cerrado e as áreas de agricultura familiar. O resultado é o esgotamento das fontes hídricas locais e o êxodo de comunidades tradicionais, que enfrentam escassez de água até para o consumo doméstico.
O Diário de Minas tem defendido a bandeira da recuperação de nascente na região e está ao lado dos moradores que relatam que córregos antes perenes agora só correm durante o período das chuvas, e que a vegetação nativa — rica em frutos, remédios e madeira sustentável — deu lugar a imensos “desertos verdes”.
Um passo à frente ou uma reparação tardia?
O novo projeto financiado pelo BNDES é, sem dúvida, um marco na restauração ambiental em larga escala. Mas também levanta questões sobre responsabilidade corporativa: as mesmas empresas que lideram o reflorestamento são, em muitos casos, as protagonistas da degradação que tentam remediar. Portanto é importante que os esquecidos Comitês de Bacias sejam ouvidos.
Especialistas defendem que, além de investir em restauração, é essencial rever o modelo de monocultura e garantir a diversidade ecológica nas áreas reflorestadas. “Restaurar é importante, mas restaurar com monocultura não é restauração — é um ciclo de dependência ambiental”, resume um pesquisador da UFMG.
*Soelson B. Araújo é empresário, jornalista e escritor

