
Universidade Federal de Santa Catarina - créditos: divulgação
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24-06-2025 às 09h59
Edmundo Lima de Arruda Jr (*)
Houve um tempo de liberais e socialistas de verdade. Eles fazem muita falta. Homens com causas e posturas guiadas por sincera ética da convicção e cuidado redobrado com as regras do jogo e do que advém após o jogo. É dizer, com alguma preocupação com escolhas e procedimentos adequados para realizá-las. Mais, zelosa com as consequências reversas ou perversas que toda ação social possa produzir.
Por certo, bons propósitos nem sempre conduzem a bons resultados. A história é cheia de herdeiros de Stalin e Hitler. Pior, encharcada de esquecimentos. Eis o quadro para errar os mesmos erros, armar adversários, trair a classe trabalhadora mais desprotegida, acumulando derrotas.
Liberais e socialistas existiram e ainda existem no espectro ideológico, cultural e social. Há ainda, felizmente, mesmo se derrotados os homens públicos de outrora, uma direita liberal e uma esquerda democrática absolutamente imprescindíveis nas lutas por emancipação social. Retraídos, cansados, mas vivos. O problema reside nas pedras no caminho, pedras acumuladas e sobrepostas por errantes exércitos dos que pugnam por um mundo melhor e semeiam desagregação e legitimação de forças retrógradas.
Hoje há, infelizmente, uma vigorosa emergência de certa pequena burguesia multicolorida, desesperada por dar um sentido em suas vidas incertas, vazias de boas causas em ambientes “pós-verdadeiros”. Nessa crescente condição encontram-se indivíduos plenos de ressentimentos e ódio.
Característica comum na extrema-direita, mas também presente na auto representada esquerda tradicional. Ambas compõem a estrutura social, como seleta parte da classe média, inclusive nas universidades. Nesses setores medianos encontram-se, contraditoriamente, diversas forças progressistas. Ser progressista pode significar muitas coisas. Com destaque, uma esquerda de estranha militância desconectada da realidade. Aí temos os soldados (militar é agir) a serviço do progresso da regressão.
De todo modo, as desconexões entre ideários e consciências a todos atinge, de uma maneira ou de outra. Vivemos nessa angustiante condição uma modernidade gasosa, plena de déficit. Situação desnorteadora que deixa os principais protagonistas da biruta política com torcicolo.
Amplo é o leque daqueles indivíduos e grupos sociais medrosos, frustrados e inseguros. Diante de tantas incertezas de um mundo dilacerado, fragmentado, agarram-se a certas certezas redutoras da complexidade social, típicas de transformações tão céleres e intensas quanto de difícil compreensão. Essas mutações envolvem muitas dimensões da vida, prenunciando algo que Ulrich Beck denomina como não mais resolvíveis no conceito moderno de crise. Trata-se talvez de processo metamórfico civilizatório envolvendo, de alguma forma, todos os habitantes do planeta.
Nesse ambiente de desconforto e desesperança visões contrapostas convergem (pelo extremo e pelo centro) direita e esquerda, a exemplo do rechaço aos imigrantes na Europa. No Brasil a guerra de torcidas entre lulistas e bolsonaristas permite uma identidade comportamental fundada na oposição amigo/inimigo. Felipe Nunes e Thomas Traumannn ironizam esse encontro de maniqueismos como Lulanaros, igualando seguidores dos dois líderes mais expressivos na política (Biografia do Abismo). Essa síntese é compreensível em face do quadro social caótico, como consequências deletérias a gerar efeitos de todos os tipos.
Somente aquelas condições gerais de desamparo e relativa paralisia cognitivo-afetiva pode situar escolhas confusas, alopradas, enlouquecidas, mesmo se justificadas coletivamente em resposta à pressupostas posturas politicamente condenáveis da parte dos dois educadores, hoje objeto na inquisição da academia tardia.
Sem adentrar nos detalhes e juízos de mérito na seletividade punitiva, os dois eventos ocorridos a UFSC (precisamente, no seu Conselho Universitário -CUN) ajudam a ilustrar as desventuras dos que perfilam os falsos moedeiros do progresso. Lembrem-se da importância da memória num tempo de sua suspensão. Resgatem o que o sistema judicial logrou impor como terror, tortura e morte ao Professor Luiz Carlos Cancellier Olivo, nosso Reitor, assassinado por algozes inspirados no abjeto lavajatismo. Exercitemos a memória dessa tendência a deletar a memória histórica, com um acontecimento atual e internacional e outro mais banal e doméstico.
Recordem o genocídio em Gaza, revelador da desmemorialização generalizada da parte do Estado de Israel, da ONU, a julgar pela ainda modesta reação condenatória a um holocausto em curso e em pleno século XXI. E o que dizer do que dói na própria carne: a anulação das condenações de Lula e outros tantos envolvidos na corrupção sistêmica significa o reconhecimento de procedimentos arbitrários e Ilegais na aplicação da Lei. A presunção de inocência não significa a inexistência dos crimes.
No caso das decisões majoritariamente tomadas no Conselho Universitário da UFSC (CUN), parecem convergir e imitar com conhecido e breguíssimo centralismo burocrático de cariz estudantil, reinventando (como farsa, tragédia e comédia bufa) um contra fático movimento social escorado em causas menores, truncadas ou mesmo absurdas, para dizer pouco.
A quem serve a vexatória negação da outorga do título de Professor Doutor Honoris Causa ao maior educador de SC, Professor Rodolfo Pinto da Luz? A quem aproveita a vergonhosa desonra ao Professor David Ferreira Lima, fundador da UFSC?
Independente de condições ideológicas gerais ao tempo vivenciado pelos dois professores, atuaram, objetivamente, construindo educação em SC. Não acompanhei o contraditório nos dois casos, na UFSC e na controversa Comissão da Verdade (o nome já diz muito, ou tudo). Penso que em algum momento as injustiças aos lentes em questão serão reconsideradas, jurídica e politicamente.
A caça às bruxas é stalinismo, ou nazismo. Pouco importa. Métodos iguais como modo de pensar e agir na política. Logo essas elites de “utopias” desbotadas, melhor, tingidas, vão queimar os livros de Martin Heidegger, Jorge Luiz Borges, Carl Schmitt, Otávio Paz, entre tantos, sob pretextos de serem homens ultraconservadores, reacionários, politicamente.
Será que o valor específico da estética do político deve dirigir a estética em todas as suas dimensões? Esse realismo socialista é conhecido em suas promiscuidades já testemunhadas no cinema de Andrzev Wadja ( O Homem de Mármore, 1977). Já há grupelhos, seitas e igrejinhas cultuando desprezo intelectual por Jurgen Habermas, Norberto Bobbio, por eventual flerte com o nazismo e com o fascismo nos seus tempos juvenis. Um macarthismo atualizado…
O obscurantismo do abominável charlatão Olavo de Carvalho o faz um anão perto dessas vanguardas do retrocesso. A razão no seu avesso.
A regressão geral parece bater nas portas da UFSC. Afinal, quem sobrará neste cenário político de lacração crescente? A julgar por assassinatos morais daqueles considerados no passado ou hoje, como do lado errado da história?
Espiridião Amin e Jorge Bornhausen, dois quadros brilhantes da vida política em Santa Catarina, foram homens de confiança da ditadura militar, mas não devem ser defenestrados historicamente em suas inúmeras realizações sociais. O mesmo vale para excepcionais militantes da esquerda como José Dirceu e José Genuíno. Ajudaram a prolongar a ditadura militar com a luta armada voluntarista típica do subjetivismo dialético criticado por Lenin, e nem por isso deixaram de ser figuras importantes do tempo em que se tinha uma causa pra viver.
Felizmente neste momento difícil de ascensão da ultradireita, há que reinventar as instituições, oxigenando as organizações políticas, acadêmicas, culturais. Esse processo reconstrutivo é lento e cheio de armadilhas. Um primeiro passo exige escolhas e ações apropriada para a luta por democratização progressiva e inserção aprofundada entre Universidade e sociedade.
No imaginário de Florianópolis e de Santo Catarina as figuras públicas David Ferreira Lima e Rodolfo Pinto da Luz significam uma longa luta – de toda uma vida, dedicada à educação. Se o fundador da UFSC, Professor David Ferreira Lima, há meio século agiu autoritariamente e em favor do regime militar, o fato não lhe retira a imensa folha de altos serviços prestados ao seu estado antes e depois de sua gestão como Reitor. Retirar-lhe o nome do Campus da UFSC não tem o menor sentido, senão o de reduzir a dimensão de um grande homem público, sabe lá com que objetivos políticos. Quanto ao Reitor por três vezes da UFSC, secretário de educação em vários governos e assessor no MEC, Professor Rodolfo Pinto da Luz, todo argumento contrário à Outorga do título de Professor Doutor Honoris Causa torna ainda mais vergonhosa a decisão abjeta do CUN.
Nada subtrai dos dois grandes protagonistas da Universidade a riquíssima contribuição para a excelência conquistada. Suas importâncias históricas e personalidades singulares na Cultura catarinense são irredutíveis à contingências históricas e a usos políticos escusos.
É de se questionar se o jacobinismo extemporâneo na cúpula diretiva da UFSC não servirá como gatilho para novas ondas vingativas, acirrando ainda mais as falsas polarizações e suas colateralidades com danos para a ordem democrática.
Afinal, a simplificação maniqueísta, amigos versus inimigos, a eterna busca de novos bodes expiatórios tão ao gosto de comissários da verdade e do saneamento geral, servirão para quê? Senão para ampliar a desinformação e a desintegração institucional de uma Universidade já plena de problemas, carências e déficit de sociais.
(*) Edmundo Lima de Arruda Jr possui graduação em Direito pela Universidade de Brasília (1978), mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1981) e doutorado em Sociologia – Université Catholique de Louvain (1991), pós doutorado em sociologia do político na Universitè Paris 8 Saint Denis (1996), pós doutorado em sociologia na universitè Paris X Nanterre (2009). Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, coordenador geral do Instituto de Estudos e Pesquisas, presidente honorifico – Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina e presidente do Instituto de Pesquisas Jurídicas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em sociologia do Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: sociologia do sistema judicial e sociologia da educação jurídica.