15-12-2024 às 10h10
Direto da redação – Nota de pesar
Por Cloves Moreira Costa e Zé Altino
Voar com Zé Altino é tranquilo sem contar os momentos em que se tem certeza de que se faz um último voo principalmente se é daqueles que amam o chão.
A experiência foi traumática, aliás mais que isto, assustadora. O céu ficou de repente esburacado. Entramos em uma tempestade, entre Redenção e São Felix do Xingu, no Pará. O voo com previsão de mais de oito horas começara em Governador Valadares com destino à Itaituba, centro geográfico brasileiro, às margens do rio Tapajós.
Escalas em Gurupi – Tocantins.
O Cessna 210 se tornara um cavalo bravo, nunca amansado. Única segurança à vista era estar ao lado do domador. Entretanto, naquele momento tempestuoso, o comando do avião estava entregue a Waltinho vulgo Minhoca, (até que parecia mesmo) de vinte e poucos anos. Aquela seria uma de suas primeiras grandes aulas práticas como piloto. O aprendiz, já descontrolado, nervoso com medo grita:
– Como é que faz agora? Vou subir?
Zé Altino, imperturbável, responde:
– Se subir, voaremos para a eternidade….
“Clóvis, codinome da inocência, só pensava no porquê.”
Entrando ao núcleo teríamos um choque, tal qual trombada a uma massa d’água e gelo, esclareceu com sorriso o agora sádico José Altino.
Filho da puta, não disse, mas pensei.
Ainda achando graça, não sei de que completou:
“Haveremos de encontrar uma saída. Voando um pouco mais baixo um buraco aparecerá. A saída é um buraco na tempestade em que possamos ver o céu azul”
Ainda estava de dia.
Mas, Zé Altino não fala, dá ordens:
Gesticulando somente diz a Minhoca para baixar o avião.
“Para baixo mesmo, o pior que pode acontecer é um pouso nas árvores”.
Além de sádico deve sentir prazer com a fatalidade, eu pensava com a mente em tumulto, já com certeza da morte iminente.
Disparatado, comecei a protestar em voz alta:
– Você vai me matar Zé Altino. Eu vou morrer aqui. Nossa Senhora, o que eu vim fazer aqui. Sua companhia é risco constante, porra.
Estas três frases se tornaram refrãos, ora uma ora outra:
– Você vai me matar.
– Eu vou morrer aqui.
– Nossa Senhora, o que eu vim fazer aqui?
Pela excitação e tensão que vivi ainda recordo até hoje daquele voo.
Só pode ter sido mesmo Deus, pois, depois daquela merda toda na qual nos enfiamos, surgiu uma abertura meio escura meio clara e nela mergulhamos dentro da dita para uma rasante sobre as copas das árvores.
Mal saíramos da tempestade, e o infeliz ainda ria. Mas, aí pude perceber que era de mim mesmo.
Puto sô. Me olhava e achava graça. Cacete, se queria ir para o inferno que fosse sozinho, ora.
Já no solo, Ave Maria, sentíamos um cheiro estranho. Zé Altino aconselhou Waltinho, o nosso aprendiz de piloto, a usar o banheiro logou que pousássemos.
O pior sempre começa a aparecer em série, pois Zé Altino anunciara, em Valadares, em todas as nossas conversas preparatórias daquele mundo maravilhoso que eu conheceria, que percorreríamos vários garimpos.
Chegara a hora de entender esta sentença, “percorrer vários garimpos”, ou seja, subir e descer, pousar, subir e pousar.
Pousamos no Garimpo do Rato e no Garimpo Rosa de Maio. Não existia, em nenhum daqueles cinco garimpos que subimos e pousamos, uma pista asfaltada ou com a terra lisa, nada, nada.
Todas foram abertas com enxadas e alisadas pelas mãos dos homens que nem sempre desentocavam direito, num lugar no qual, da noite para o dia, brota-se uma nova árvore.
Pousado, ele passava para o pessoal a indicação dos locais onde deviam tirar os novos tocos e aplainar melhor o chão desfazendo alguns buracos na lama.
Depois de todos os voos, todas as subidas e todos os pouso teríamos uma noite sem pesadelos. Percorremos os céus, das alturas de cima das matas víamos os rios antes caudalosos se tornarem córregos, linhas finas finíssimas.
Passamos naquele grande e misterioso mundo verde, nove fenomenais e inesquecíveis dias, que hoje, apesar de tantas odisseias, guardo com prazer enorme as emoções vividas, tanto as boas quanto as nem tão boas.
O nosso piloto aprendiz Minhoca é, hoje, o comandante Walter. Acha ruim se o chamamos de Minhoca….
De volta a Governador Valadares, um irmão de José Altino quis saber:
– Você iria de novo?
Respondi na lata:
– Tá doido? Agora ficou pior ainda. O Zé está mais velho. Quer saber, penso até que ele enxerga cada vez menos. Agora, voar com ele não é mais tranquilo.
(*) Clóvis Moreira Costa, artista plástico, é ilustrador e editor de livros. Clóvis Moreira Costa morreu, ontem, aos 73 anos, em Governador Valadares. Artista plástico, fotógrafo, ilustrador, chargista com várias publicações em jornais locais e regionais além de jornais do exterior.
Natural de São Paulo, porém viveu a maior parte de sua vida em Valadares. Passeou por várias áreas da arte com facilidade, desde óleo sobre tela, grafite, desenhos digitais e fotografia.
Ele trabalhou nos EUA. Convidado a trabalhar na Disney com salário de 8 ml dólares por mês, ele recusou. “Não quero ficar rico neste país”.
Voltou ao Brasil para cuidar do pai. Logo começou a enfrentar as dificuldades do sistema de saúde. Em uma das crises, com o pai muito mal, ligou para o SAMU. Como demoravam atendê-lo, alugou uma carroça, colocou o pai na carroça sobre um colchão e atravessou a cidade até o Hospital Regional de Governador Valadares.